Frequentemente me pedem que eu recomende um ou dois livros sobre ciência e Bíblia. Os interesses e necessidades de cada um nem sempre são os mesmos, mas na maioria das vezes eu sugiro alguns títulos que o BioLogos já identificou (1) como sendo potencialmente úteis a muitos cristãos. Normalmente começo sugerindo um livro chamado Origins (2), escrito por dois cientistas do Calvin College, a astrônoma Deborah B. Haarsma e seu marido, e a biofísica Loren D. Haarsma. Embora a obra tenha sido publicada pela Igreja Cristã Reformada, um corpo fortemente calvinista, não há razão para que cristãos de outras tradições não encontrem motivos de reflexão nela. De fato, a edição atual foi recentemente revisada pelos autores a fim de ampliar seu apelo para fora dos círculos reformados. Um website (3) que acompanha o livro fornece recursos adicionais extensos de alta qualidade. Tenho usado este livro com os alunos do Messiah College (a maioria dos quais não é reformado) desde que ele foi lançado, obtendo excelentes resultados. Muitos amigos têm me contado que ele tem sido muito útil. Este é simplesmente o melhor livro sobre Gênesis e ciência para a maioria dos leitores cristãos.

Para aqueles que desejam algo mais acadêmico que o livro de Haarsma e Haarsma, eu quase sempre recomendo a obra Species of Origins (4), do físico Karl W. Giberson (antigo vice-presidente do BioLogos) e do historiador Donald A. Yerxa. Uma obra precisa, ponderada e compreensiva em termos de escopo. É o lugar certo para se obter uma introdução clara às dimensões filosófica, cultural e teológica sobre o atual debate acerca das origens. Eles não argumentam a favor de qualquer posição em particular. Eles simplesmente explicam as posições adotadas por outros. Além de analisarem três posições que são populares entre os cristãos (o criacionismo científico, o teísmo evolucionista e o design inteligente), os autores também apresentam os seis principais agnósticos e ateus – incluindo Richard Dawkins e o falecido Carl Sagan. Giberson desenvolve o material sobre céticos religiosos de maneira muito mais detalhada em outro livro chamado Oracles of Science (5), que escreveu com o falecido Mariano Artigas, um sacerdote e filósofo católico. Recomendo a obra para aqueles que desejam uma boa cartilha desse grupo de autores.

Talvez eu recomenda outros livros em geral (aqueles que analisam o diálogo de maneira mais abrangente) posteriormente, mas vamos ficar apenas com esses três no momento. Se alguém quiser comentar a respeito de quaisquer dessas obras, seria ótimo!

Pouco tempo depois de minha texto surgir, um amigo que educa seus filhos em casa demonstrou interesse em meu envolvimento com o BioLogos. Ele argumentou que era difícil para ele encontrar material a respeito de ciência que não forçasse a visão criacionista da Terra jovem – uma visão que ele mesmo adotara e que é muito popular entre educadores domésticos. Contei-lhe sobre um novo website (6) projetado para atender às necessidades de sua família. No momento, é operado por apenas uma pessoa. Douglas Hayworth, o biólogo responsável pelo conteúdo, ficaria contente em ter um bom material que ele possa usar; principalmente resenhas detalhadas de livros didáticos e outros materiais do currículo educacional. Se você acha que pode ajudá-lo, por favor, não hesite em visitar o site e lhe enviar uma mensagem. Diga-lhe que eu indiquei.


A carta de Galileu à Grã-Duquesa Cristina

No final de meu último texto, disse que estava prestes a apresentar-lhes o livro mais importante que já foi escrito a respeito de ciência e Bíblia. Você foi capaz de descobrir qual livro eu tinha em mente? É nada mais, nada menos que a Carta à Grã-Duquesa Cristina, escrita em 1615 pelo grande matemático Galileu Galilei (1564-1642).

Você deve estar pensando: “espere um momento”. Galileu não foi o cara que se meteu em confusão por tentar provar que a Terra gira em torno do Sol? Já não resolvemos essa questão há muito tempo? Por que sua Carta a Cristina é um texto tão crucial? Qual seria a possível relevância – quanto mais a importância – dela para nós hoje?

Na verdade, há ainda algumas pessoas que não aceitaram a ideia de uma Terra que está em movimento. Talvez tenhamos que falar mais a respeito disto em algum momento, mas não vamos entrar nesse assunto agora. Apenas mencionarei dois de vários websites em que você pode investigar o assunto se desejar: http://galileowaswrong.blogspot.com/ e http://www.geocentricity.com/. Para a maioria de nós, esse realmente é um assunto morto. Quando foi a última vez que você ouviu um sermão ou leu um editorial argumentando contra Copérnico? É justamente devido ao fato de que o movimento da Terra não nos preocupa hoje que somos capazes de avaliar melhor suas posições com imparcialidade, tomando o que é útil e aplicando a outras questões que possam ser importantes para nós nos dias atuais – tal como a questão das origens. Quer gostemos de suas respostas ou não, Galileu suscitou muitas questões corretas a respeito da Bíblia e da ciência:

  • Qual é o propósito primário da Bíblia?
  • Quem é o público da Bíblia?
  • Como um Criador infinito se comunica com criaturas finitas?
  • A Bíblia é um livro científico? Em outras palavras, podemos aprender fatos científicos e/ou teorias a partir dela?
  • Qual a diferença entre inspiração e interpretação?
  • Como (se for o caso) a ciência pode nos ajudar a interpretar a Bíblia?
  • Como a ciência e a teologia se relacionam?

Questões como essas ainda são importantes. Assim como Maquiavel ainda tem muito a dizer acerca de política e natureza humana, Galileu também ainda tem muito a dizer acerca de ciência e Bíblia. Portanto, a primeira “tarefa” em nosso “curso” é ler a carta de Galileu a Cristina à luz de algumas questões específicas que irei apresentar abaixo, trazer suas questões e comentá-las aqui. Aguardaremos algumas semanas para que isso aconteça antes de eu começar a responder e apresentar outros comentários. Gostaria de suas reflexões sobre este texto, oferecendo outras além das minhas.

A tradução clássica de Stillman Drake dessa carta está disponível online (7). Embora alguns leitores possam pular muitas partes da carta, vale muito a pena lê-la na íntegra – mas provavelmente não em uma única sentada. As seguintes questões irão conduzir nossa discussão:

  1. Em termos gerais, no que Galileu acredita em termos de linguagem das Escrituras? No que ele acredita especificamente acerca do uso da Bíblia em matéria de ciência? Qual(is) princípio(s) de interpretação ele endossa e por quê?
  2. No que Galileu acredita acerca da natureza, do escopo, e da relativa certeza ou ambiguidade do conhecimento científico? Quais limitações (se houver) ele estabelece sobre a ciência?
  3. No que Galileu acredita acerca da natureza, do escopo, e da relativa certeza ou ambiguidade do conhecimento teológico? Quais limitações (se houver) ele estabelece sobre a teologia?
  4. Galileu emprega pelo menos três diferentes modelos metafóricos para descrever a relação entre ciência e fé: o modelo dos “dois livros” ou da “harmonia” (teologia e ciência em concordância), o modelo de “separação” (teologia e ciência como áreas que lidam com assuntos distintos) e o modelo da “serva” (teologia como sendo a “rainha” e a ciência a “serva”). Qual a sua postura em relação a cada um desses modelos?
  5. Como você reage a Galileu: O que lhe atrai em sua posição e por quê? Quais são suas reservas e por quê?

Finalmente, devo apresentar um breve pano de fundo a respeito do contexto histórico no qual a carta foi escrita. Nicolau Copérnico, um oficial menor da Igreja Católica onde agora é parte da Polônia, publicou seu famoso livro sobre o sistema solar chamado A Revolução dos Orbes Celestes no ano de 1543. Foi um livro altamente matemático – não destinado a leitores casuais – e sua conclusão de que a Terra está se movimentando ao redor do Sol a uma velocidade de milhares de milhas por hora enquanto gira em seu eixo uma vez por dia revela-se em clara oposição à experiência comum. Se realmente estivéssemos a essa velocidade, por que não notaríamos? Por que não somos lançados para fora da Terra como a lama é lançada das rodas em movimento? Por que as nuvens e os pássaros não são deixados para trás por conta do movimento rápido da superfície da Terra? Consequentemente, a maioria dos leitores achava as ideias radicais de Copérnico impossíveis de serem levadas a sério, muito menos de serem aceitas.

Os leitores também suscitaram objeções teológicas. Em várias ocasiões, a Bíblia parece falar sobre o movimento do Sol ou sobre a imobilidade da Terra. (Tome, por exemplo, os textos de Josué 10:12-14, Salmo 19:4-6, Salmo 93:1, Salmo 104:5, Isaías 38-8 ou Eclesiastes 1:5). Quando eles interpretavam textos como esses, a maioria dos teólogos protestantes e católicos pressupunham de maneira bem natural que as Escrituras davam o testemunho claro e óbvio (como consideravam na época) de que o Sol gira em torno da Terra e não vice-

Por muitas décadas após a publicação do livro de Copérnico, dificilmente alguém realmente acreditou no movimento da Terra em torno do Sol. De fato, historiadores identificam apenas cerca de uma dúzia de pessoas que pensavam o contrário antes do ano 1610, quando Galileu publicou o primeiro tratado científico baseado em observações feitas com um telescópio. Algumas das coisas que Galileu observou no espaço de poucos anos com seu novo instrumento – as fases de Vênus, as luas de Júpiter, as manchas no Sol e as montanhas da Lua – eram difíceis ou impossíveis de serem conciliadas com o cenário científico do universo que havia sido quase universalmente aceito desde a época de Aristóteles, que trabalhou no quarto século antes de Cristo.

Embora Galileu não tenha discutido teologia sob qualquer forma, ele foi atacado por certos sacerdotes conservadores que viram suas posições como sendo contrárias às Escrituras. Para defender suas novas ideias, Galileu escreveu um longo artigo sob a forma de carta aberta a Cristina de Lorena, mãe de seu patrono Cosme II de Médici, o Grã-Duque da Toscana. Normalmente Galileu não teria se interessado nesse assunto (ciência e Bíblia), mas ele sabia que a Duquesa era cética em relação à teoria copernicana e se preocupava com o fato de que ela pudesse contradizer as Escrituras. Galileu soube disso a partir de seu amigo e ex-aluno Benedetto Castelii, um monge beneditino que ensinava matemática na Universidade de Pisa. A Duquesa conversava com Castelli e outros a respeito disso e Galileu entendeu que era o momento de dar peso à conversa. Inicialmente, ele formulou seus pensamentos em uma carta a Castelli em dezembro de 1613. Cerca de dezoito meses depois, ele escreveu uma versão expandida da carta a Cristina.

Na carta a Cristina, Galileu confiou fortemente nas ideias extraídas de Santo Agostinho, o qual havia alertado os cristãos a serem cautelosos em não tomar trechos da Bíblia que tratavam de astronomia de maneira literal. Desejando transmitir verdades espirituais aos fiéis – que normalmente eram iletrados – o Espírito Santo havia empregado uma linguagem popular que não tinha a intenção de ser cientificamente correta. Essa ideia é chamada de “princípio da

acomodação” (8) (se você clicar no link, tenha em mente que Galileu quase certamente não estava lendo Calvino) e Galileu usou-o para argumentar que o copernicanismo não é herético simplesmente porque contraria o sentido despojado de certas passagens bíblicas. Ele também apontou que o heliocentrismo havia sido proposto por um bom católico (Copérnico), o qual havia publicado suas posições sob o incentivo de importantes oficiais eclesiásticos.

Incidentalmente, a descrição de Galileu sobre Copérnico como um “sacerdote” é errônea. Embora Copérnico tenha sido responsável por um altar na Catedral de Frombork (9) onde seu tio era o bispo, ele nunca foi ordenado como sacerdote. Este é um mito que persiste e para o qual não há qualquer evidência. Um grande especialista em Copérnico, o falecido Edward Rosen, investigou esse mito com muito cuidado muitos anos atrás. Se você realmente deseja saber os detalhes (Rosen os apresenta em sua costumeira forma), é possível vê-los aqui (10).

Boa leitura!


Texto original.

Traduzido por: Jonathan Silveira

Tradução autorizada para uso do Projeto ABC².


Referências:

1 http://biologos.org/resources/books
2 http://biologos.org/resources/books/origins
3 http://www.faithaliveonline.org/origins/
4 http://biologos.org/resources/books/species-of-origins
5 http://biologos.org/resources/books/oracles-of-science
6 http://asa3online.org/homeschool/
7 http://www.disf.org/en/documentation/03-Galileo_Cristina.asp
8 http://biologos.org/blog/scripture-evolution-and-the-problem-of-science-pt-1
9 http://en.wikipedia.org/wiki/Frombork
10 http://www.philosophy-religion.org/handouts/pdfs/Copernicus-rev.pdf

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