O que a gravidade quântica tem a ver com anjos cantando, pequenas cidades de Belém e canções de Natal?

Em seu best-seller Uma Breve História do Tempo, Stephen Hawking relata uma conferência sobre cosmologia no Vaticano. Ele conta que o Papa fez um discurso onde deu as boas-vindas aos cientistas que trabalham com a história do universo, mas disse que o primeiro momento do universo, o princípio, não era assunto da ciência, mas apenas da teologia. A afirmação do Papa de que Deus tinha de ser invocado como a primeira causa do universo pareceu motivar Hawking a tentar uma explicação científica para as condições iniciais do universo, o que envolveria a tentativa de unir a teoria quântica e a relatividade geral em uma nova teoria de gravidade quântica. Uma teoria, especulou Hawking, que significaria que o universo apareceria espontaneamente por meio de uma flutuação quântica – e que não precisava de Deus para “dar a partida” no Big Bang.

Não posso deixar de me perguntar se, em algum momento durante a conferência do Vaticano, o prólogo de abertura do evangelho de João foi lido e se – assim como durante muitos cultos e missas natalinas nesta época do ano – seu significado não foi compreendido. Se tivesse sido lido, o professor Hawking poderia ter visto que a compreensão de João sobre Jesus significa que não havia necessidade de colocar a ciência contra a fé cristã. Hawking, como muitos outros, parecia pensar que o único argumento para Deus era tentar provar a necessidade de um Criador que agisse no tempo para iniciar o universo. Mas a história do Natal, deixando de lado todas as apresentações sentimentais sobre o nascimento e os pastores no campo à noite, é sobre um Deus que é evidenciado em Jesus, fala em Jesus e é o Senhor não apenas do primeiro momento da criação, mas do próprio tempo.

João não começa seu relato de Jesus com jumentos, ovelhas e camelos. Em vez disso, ele começa:

“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por meio dele, e sem ele nada foi feito”. (João 1.1-3).

Alguns versículos depois, ele é explícito sobre o Verbo. “O Verbo se fez carne” (v. 14) localiza o Verbo (ou a Palavra) como Jesus, aquele que foi visto e experimentou a história do espaço-tempo do Universo. De fato, o evangelho de João trata, nas palavras de Frank Kermode, de “como o Verbo entrou na esfera do tempo, da história e da tangibilidade”.

Primeiro, João diz que em Jesus, o Verbo, vemos Deus, o Criador. Aqui ele pega duas correntes de pensamento no mundo antigo. Para os estoicos, o Verbo, logos, era o princípio racional pelo qual o mundo existe. Para os hebreus, pensando em Gênesis 1, a Palavra de Deus era seus poderosos atos de criação. Assim disse Deus, e assim foi feito. Aqui João junta os dois em uma notável síntese filosófica para dizer que a racionalidade do universo se deve ao poder criativo de Deus. Para mim, como cientista, esta é uma afirmação da ciência como um dom de Deus; a racionalidade que a ciência explora existe por causa da natureza de seu Deus Criador. Mas podemos conhecer esse Deus não principalmente por causa dessa racionalidade, mas porque esse Deus Criador se torna carne através da vida, morte e ressurreição de Jesus. Em resposta às perguntas “Deus existe?” ou “como é Deus?”, os cristãos não recorrem a provas lógicas, mas apontam para Jesus. Deus é, acima de tudo, um Criador que se comunica conosco tornando-se um ser humano, desde o nascimento até a cruz.

Mas assim como Jesus nos mostra Deus, ele também mostra o que Deus pensa do mundo físico. Em contraste com alguns filósofos gregos que pensavam que a carne era má e o espírito era bom, o nascimento de uma criança na poeira de um estábulo é uma afirmação do físico – o corpo e o mundo natural. Em vez de esperar por uma futura existência imaterial em um mundo espiritual, os cristãos são chamados a colocar a mão na massa na ciência, no cuidado do meio ambiente, na política e a desfrutar deste mundo.

Em segundo lugar, para João, em Jesus vemos o Deus que é o Senhor do tempo, seja ele breve ou interminável. “No princípio” é obviamente uma referência ao versículo inicial de Gênesis, mas também pode ser uma alusão ao início do evangelho de Marcos, “O princípio do evangelho de Jesus Cristo” (Marcos 1:1). Aqui João traça a história de Jesus além do início de seu ministério, além de Maria e José, e até mesmo além da própria criação. No princípio já existia o Verbo, como autor do espaço e do tempo. O bebê de Maria era mais do que uma bela história ou mesmo um profeta desafiador. Jesus foi, nas palavras do escritor de hinos Charles Wesley, “nosso Deus reduzido ao tamanho de um palmo, incompreensivelmente feito homem”.

O prólogo do evangelho de João, a leitura final do tradicional culto de natal, diz que Deus não precisa ser provado por um argumento de “causa primeira do universo”. Se aqueles que continuarem o trabalho pioneiro do professor Hawking produzirem uma teoria sobre como o universo “deu a partida” em si mesmo, os cristãos não precisam se preocupar – na verdade, pode ser uma fonte de grande alegria, pois revelará apenas um pouco mais da dádiva da ciência. Deus é a origem e o sustentador da teoria quântica, da relatividade geral e do próprio espaço-tempo. E esse Deus foi revelado em uma criança nascida numa estrebaria, em uma parte obscura do Império Romano, em uma família sem riqueza, fama ou poder – essa é uma história de conforto e alegria.

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Artigo escrito por Rev. Professor David Wilkinson

David é professor do Departamento de Teologia e Religião da Durham University e tem doutorado em astrofísica e em teologia sistemática.

 

Tradução: Tiago Pereira

Artigo original: https://www.eclasproject.org/why-the-christmas-story-does-not-need-to-prove-god/

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