por Jonathan Simões Freitas

“envolveu-o em panos e o colocou em uma manjedoura, pois não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2.7b)

Lembro-me do meu pai cantando em casa:

Fica, Senhor, já se faz tarde
Tens meu coração para pousar
Faz em mim morada permanente
Fica, Senhor; fica, Senhor, meu Salvador!

Essa canção, intitulada “Divino Companheiro”, certamente alude ao episódio da caminhada para Emaús (Lc 24.13–35). Nessa passagem, dois dos discípulos tiveram a divina companhia do Senhor, ressuscitado — embora só o tenham reconhecido posteriormente. A certo ponto, relata-se que:

(…) chegaram à aldeia para onde iam, e ele [Jesus] fez como quem ia para mais longe. E eles [os dois discípulos] o constrangeram, dizendo: Fica conosco, porque já é tarde, e já declinou o dia. E entrou para ficar com eles (Lc 24.28–29).

Essa súplica dos discípulos — transformada em refrão que me traz boas lembranças, também me veio à mente quando li nesta manhã a passagem de Gênesis 18.1–15. Nela, conta-se o caso da generosa hospitalidade de Abraão para com três viajantes inusitados — que ele também reconheceu como sendo o próprio Senhor. Segundo o relato, ao vê-los, Abraão (…) inclinou-se à terra, e disse: Meu Senhor, se agora tenho achado graça aos teus olhos, rogo-te que não passes de teu servo (Gn 18.3).

Pelo contrário: Abraão entendeu que foi para serem acolhidos como Senhor que “chegastes até vosso servo” (Gn 18.5b). E, portanto, preparou uma refeição completa “para que esforceis o vosso coração; depois passareis adiante” (Gn 18.5a).

Como consequência desse tempo de comunhão, assim como aconteceu na casa em Emaús (Lc 24.30–35), o Senhor se manifestou com graça e poder, transformando o riso cínico em verdadeiro maravilhamento (Gn 18.9–15; compare com Gn 21.1–8).

De fato, esse convite a sermos hospitaleiros para com o Senhor, a fim de não perdermos a oportunidade de conhecê-lo mais profundamente, parece recorrente nas Escrituras. Lembro-me de outro texto que retrata exatamente a mesma dinâmica: o Senhor “fazendo como quem ia mais adiante” sobre as ondas, compelindo os discípulos a acolhê-lo no barco e, assim, a o conhecerem como aquele que é “verdadeiramente o Filho de Deus”.

O mesmo poderia ser dito sobre Jacó, na passagem — que muito me marca pessoalmente — em que ele agarra o Senhor para não deixá-lo ir antes que este o abençoe. Ou sobre Maria que, ao contrário de sua irmã, entendeu que acolher o Senhor é atender ao convite para deixar-se ser acolhida por Ele (como me ensinou o meu saudoso amigo Richard Platts com a sua pregação e com a sua própria vida).

Chegando de uma caminhada cansativa neste final de segundo semestre, eu também me senti compelido nesta manhã a fechar a porta do quarto e abrir a do coração para, mais uma vez, hospedar o Senhor. Que saudade de ser acolhido pelo meu Salvador!

O coração aqueceu, o riso voltou. Fiquei com a convicção do poeta Stênio de que “ele passou por aqui”; com o canto rouco do meu pai; com a súplica que é para nós um convite: “Fica, Senhor!”.


Veja também este texto especial de Páscoa, escrito por Cecília J. D. Reggiani.

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