cuidando da criação

por Mario A. Russo

publicado em 9 de outubro de 2019

“Vem, Senhor Jesus, vem!” (Apocalipse 22:20)

Alguns cristãos veem isso como um grito de guerra para Jesus voltar e “pôr fim a tudo”. Essa visão se concentra no dia do julgamento. Jesus volta para julgar os ímpios e os justos. Os justos entram no céu eterno, e os ímpios entram no inferno eterno. Enquanto isso, a Terra e toda a criação são, de alguma forma, “queimadas” ou “destruídas”.

Mas isso nos leva a considerar: o que acontece com a Terra e todas as outras “coisas” físicas do universo? Se as pessoas têm um destino eterno, o resto da criação também tem um destino eterno? Ou o universo inteiro está “gemendo em dores de parto” e aguardando seu dia de libertação (como Paulo coloca em Romanos 8) apenas para ser queimado e destruído? Se Deus pretende destruir tudo no final, talvez o cuidado com a criação não importe. Mas se Deus não vai queimar e destruir o universo, então o cuidado com a criação de fato importa e, talvez, os cristãos devam fazer algo a respeito.


Uma nova criação está chegando

Além da teologia do arrebatamento e da tribulação que foi popularizada pela série Deixados para Trás, há uma perspectiva maior e mais amplamente aceita sobre escatologia (o que a Bíblia ensina sobre o futuro). Ela descreve um mundo que não terminará em destruição, mas em renovação. O mundo não está se movendo em direção ao retorno de Jesus e à completa destruição. Antes, toda a criação está progredindo em direção a um estado glorificado de nova criação. Mas antes de explorarmos essa perspectiva, precisamos entender o problema.

A cosmologia – a ciência das origens – prevê um destes dois fins para o universo. Ou ele deixará de se expandir e se colapsará sobre si mesmo em total destruição ou continuará se expandindo e se esfriando para sempre, eventualmente se esgotando na escuridão total. Por outro lado, a escatologia bíblica diz que a ressurreição de Jesus colocou o mundo em uma trajetória em direção à “nova criação”. Essas alegações conflitantes da ciência e da teologia sobre o destino do universo aparentemente não podem ser conciliadas, mas o cientista e teólogo da Universidade de Cambridge, John Polkinghorne, argumenta que a ressurreição de Jesus fornece uma base para resolver o problema. Na ressurreição, Deus usa um tipo radicalmente novo de ação divina, que não pode ser reduzida ou explicada pelas leis atuais da natureza. Tal ação divina pode restaurar a harmonia entre a cosmologia e a escatologia bíblica.

Vemos isso se desenrolar nas semelhanças entre a maneira como Deus trabalha na criação e na redenção. O padrão que vemos na cosmologia é uma criação repentina (origem), seguida por um processo progressivo de mudança (desenvolvimento) e algum destino final. Através da evolução, a vida muda progressivamente. A reconstrução do universo é semelhante (e de certa forma espelha) à história redentora dos santos. Um cristão experimenta um renascimento repentino chamado de regeneração (origem), seguido por uma vida que muda progressivamente (desenvolvimento) e um destino final de glorificação. Uma vez que a cosmologia e a salvação têm narrativas semelhantes de origem e desenvolvimento, é razoável crer que elas tenham um destino semelhante – nova criação. Assim como os humanos são progressivamente transformados e serão renovados, toda a criação está sendo progressivamente transformada e eventualmente será renovada.

A vinda desta nova criação tem importantes implicações práticas para os cristãos.


Ou Somos Novas Criações

Paulo escreve em 2 Coríntios 5:17: “Portanto, se alguém está em Cristo, é nova criação. As coisas antigas já passaram; eis que surgiram coisas novas!” Como seguidores de Jesus, somos novas criações. Somos produtos do trabalho do Espírito Santo. Ele está nos moldando ativamente nas novas criações que Deus deseja que sejamos. O Espírito Santo também trabalha na criação física. De fato, um olhar mais atento revela um padrão semelhante entre a ação do Espírito Santo no universo e sua ação na vida dos crentes.

Novamente, o Espírito Santo trabalha em um padrão de origem, progresso e renovação. Ele renova progressivamente a criação desde sua origem até a eventual nova criação. Na origem do universo, ele pairou sobre o caos das águas e trouxe ordem. No presente, ele é o poder e a presença imanente e infinita de Deus que inspira e guia progressivamente a criação finita. A orientação do Espírito não funciona contra a natureza, mas dentro da natureza. Ele paira sobre o caos nos limites da criação e traz ordem, capacitando, avivando e renovando progressivamente toda a criação para superar a corrupção e a alienação de Deus.

Esse padrão de origem, progresso e renovação definitiva também aparece no trabalho do Espírito Santo na redenção humana. Ao unir os crentes em Cristo na sua morte e ressurreição, o Espírito Santo está profundamente envolvido com o Filho na nova criação. Assim como a obra do Espírito Santo na criação revela um processo, a redenção humana segue o padrão de regeneração (origem), santificação (progresso) e glorificação (renovação).

Por meio do Espírito Santo, os crentes, e toda a criação, experimentam o poder da morte e ressurreição de Jesus. O mesmo Espírito Santo presente de forma imanente na redenção humana, também redimirá o cosmos de maneira semelhante – pela renovação progressiva em direção a um estado glorificado. O agente dessa renovação é a noiva do próprio Cristo, a Igreja.


Um chamado da Nova Criação

Os cristãos têm um papel a desempenhar na renovação da criação. O cuidado com a criação envolve mais do que nossa tarefa original de cuidar da criação. Também temos uma tarefa redentora de trazer paz e justiça a um mundo corrompido. Se a criação estiver com problemas, temos a responsabilidade de prestar cuidados. E se a criação não estiver com problemas, temos a responsabilidade de prover mais do que cuidados preventivos; devemos trabalhar para o seu florescimento.

A tarefa começa no Antigo Testamento. Adão e Eva foram originalmente comissionados para cuidar do Jardim do Éden. O espírito dessa missão se estende para o mundo “pós-queda”. A narrativa continua na história de Israel. Quando José foi vendido como escravo no Egito, ele trabalhou para trazer paz e justiça à casa de Potifar. Eventualmente, ele se tornou o segundo no comando de todo o Egito. O livro dos Juízes serve como uma antítese para esta missão. Ele narra os dias em Israel em que o povo não buscava a justiça, mas cada pessoa “fazia o que era certo aos seus próprios olhos” (Juízes 17:6). No entanto, a missão de Israel permaneceu a mesma. Em cativeiro na Babilônia, Deus lhes disse por meio de Jeremias para abraçar a cidade e buscar seu bem-estar (Jeremias 29:7). Eles deviam, de acordo com o profeta Miqueias, fazer justiça, amar a misericórdia e andar humildemente com Deus (Miqueias 6:8).

A missão de justiça, misericórdia e amor continua no Novo Testamento. O cuidado com a criação é um ato redentor que mostra o amor e a graça de Deus para o mundo. Somos chamados, como Adão e Eva, a refletir a imagem de Deus. Se Deus está continuamente renovando a criação para trazê-la à glorificação, devemos imitar a Deus e trabalhar em direção ao mesmo objetivo.

Refletir a imagem de Deus como um meio de renovação da criação foi demonstrado por Jesus. O ministério de Jesus envolveu mais do que pregar arrependimento; o Senhor também demonstrou compaixão. Em Mateus 9:35, lemos: “Jesus ia passando por todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas, pregando as boas novas do Reino e curando todas as enfermidades e doenças.” O ministério de Jesus tinha um duplo propósito: “proclamar o evangelho” e “curar todas as doenças e todas as enfermidades”. Jesus pregou graça, mostrou compaixão e trouxe renovação à criação de Deus.

Depois disso, Jesus chamou seus doze discípulos, deu-lhes poder para curar enfermidades e os enviou para pregar. Cristo comissionou seus discípulos a mostrar compaixão e pregar graça. A mensagem deles era acompanhada pela ação. Esse tema continua no livro de Atos, onde os apóstolos seguem um padrão semelhante de ministério. Através de sinais e milagres, eles pregaram e renovaram a criação.

Finalmente, no livro de Apocalipse, aprendemos sobre o destino final de toda a criação. João escreve: “Então, vi um novo céu e uma nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra tinham passado… E ouvi uma forte voz que vinha do trono e dizia: “Agora o tabernáculo de Deus está com os homens, com os quais ele viverá. Eles serão os seus povos; o próprio Deus estará com eles e será o seu Deus… Aquele que estava assentado no trono disse: “Estou fazendo novas todas as coisas!” (Apocalipse 21:1,3,5).

O que surge, então, é uma história consistente na Bíblia. Do começo ao fim, Deus está redimindo não apenas seu povo, mas toda a criação. Através da vida, morte e ressurreição de Jesus no poder do Espírito Santo, Deus chama seus filhos para a grande obra de renovação da criação.


Ouça ao episódio do BTCast sobre Mudanças Climáticas: Episódio 015.


Resgatados e Renovados

Como criações redimidas em Cristo, não estamos a caminho da destruição, mas de um estado de renovação glorificada. Da mesma forma, a criação toda não está sendo precipitada em direção a um julgamento destrutivo, mas a uma renovação reconstrutiva. Jesus deu à sua igreja a missão de redimir não apenas seu povo, mas sua criação física.

O cuidado com a criação deve ser importante para nós porque a criação física é importante para Deus. Os cristãos devem cuidar da criação porque Deus a está renovando ativamente, e ele nos chama para nos juntarmos a ele em seu trabalho. Com essa perspectiva, podemos dizer de uma maneira nova: “Venha, Senhor Jesus, venha”. Nós aguardamos pela volta do Senhor porque nos preocupamos com sua criação e ansiamos pelo dia em que ele a tornará finalmente e totalmente nova.


Sobre o autor

Mario A. Russo é um plantador de igrejas e escritor. Ele é bacharel em Biologia e Psicologia pela Universidade da Carolina do Sul, mestre em Religião e Artes pelo Reformed Theological Seminary e doutor em Ministério (Missiologia) da Erskine College and Seminary. Junto com sua esposa Virginia e seus dois filhos, ele vive e trabalha na Alemanha Ocidental.

Veja aqui o texto original.

Tradução: Tiago Pereira

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