Por Tom McLeish

Ouvimos muito sobre “seguir a ciência” nesses dias de pandemia. Como alguém que “seguiu a ciência” e tentou praticá-la durante a maior parte da minha vida, esse refrão repetido na mídia me intriga. Mas em sentido biográfico, isso significa algo bastante diferente. “Seguir a ciência”, para os cientistas, é um processo que dura uma vida, aquele lampejo tentador que vem da introspecção, imaginação e curiosidade, um guia no labirinto escuro de nossa atual ignorância para o próximo passo de entendimento. A própria ciência não nos diz que palpite seguir, mas nos diz quando emergimos na luz. De modo mais prosaico, saberemos quando uma vacina funciona, mas não antecipadamente qual candidato escolher.

Portanto, “seguir a ciência” não é torná-la nossa mestre. Francis Bacon, o filósofo do século XVI, disse certa vez que “o dinheiro é um bom servo, mas um péssimo mestre”. Como um promotor influente dos primórdios do método científico experimental, ele poderia muito bem ter dito o mesmo sobre a ciência. O conhecimento por si só é um mau tomador de decisões. Nós também precisamos de sabedoria.

Francis Bacon

Francis Bacon

Como um seguidor dedicado e participante da ciência, confesso que sou de igual modo um fã da sabedoria. Uma das razões pelas quais considero atraente a tradição judaico-cristã do conhecimento é que ela está emparelhada, em toda a Bíblia, com o desejo de adquirir sabedoria também, e de nunca por em prática o conhecimento sem ela.

O lugar onde essa mensagem é pronunciada de modo mais alto e claro deve ser no Livro de Jó, do Antigo Testamento – livro que, de acordo com a filósofa de Berlin Susan Neimann, é tão importante quanto Platão. Do mesmo modo que muitos de nós no atual momento, Jó – o justo e reto protagonista do livro – clama por uma razão porque ele está sofrendo com doenças e perdas terríveis. Todo o tecido cósmico parece estar desmoronando ao seu redor e caindo no caos:

 “Mas, assim como a montanha sofre erosão e desmorona, (…), assim destróis a esperança do homem.” (Jó 14:18,19)

Jó protesta e reclama contra Deus.

A resposta de Deus, quando finalmente chega, é inesperada. Porque longe de levar Jó a uma sala fechada e entrar em um debate moral, ele é levado (literalmente) em um redemoinho e passeia pelo lado selvagem da natureza: o gelo e os mares, a luz do amanhecer, aglomerados de estrelas, relâmpagos e o ciclo de vida de animais selvagens. Ao mesmo tempo, Deus declara que Jó estava certo, e outros que interpretaram seu sofrimento como um castigo, estavam errados.

Essa sabedoria é aprender a viver ao lado do necessário aspecto selvagem da natureza, em vez de apenas protestar e opor-se contra ela. Mas isso anda de mãos dadas com nossa milagrosa capacidade humana de descobrir a estrutura material do nosso mundo, entendê-la e cuidar dela. Isso é usar a ciência com sabedoria.


Thom McLeish é um multipremiado físico teórico na área das propriedades da matéria mole, uma subárea da biofísica. Ele é Fellow da Royal Society britânica e detém a cátedra de filosofia natural na Universidade de York, no Reino Unido. É autor de vários livros, como Faith and Wisdom in Science, sobre o qual escreve em seu blog.

Este texto foi publicado originalmente aqui.

Tradução: Tiago Garros

Compartilhe a ABC²