a criatura moderna

“O século 20 vive, pensa e se move sob o dossel da ciência, cujos ousados empreendimentos transformaram ‘uma profusão de fantasias’ [1] em realidades comuns de nossa era”, escreveu Carl Henry há mais de meio século. “Quem quer que gagueje ao enfatizar essa dívida para com a ciência, não percebe com clareza as condições alteradas em que a espécie humana existe nos tempos modernos.” [2]

O que era verdade em 1960 não é menos verdade hoje. Se Henry ainda estivesse conosco, a “profusão de fantasias” transformadas em realidades de nossa era presente exigiriam uma linguagem shakespeariana ainda mais forte: processamento genético, IA, cibernética, gametas sintéticos e embriões de três pais estão alterando radicalmente nossa compreensão do que significa ser uma pessoa humana. No artigo citado acima, a preocupação primária de Henry era combater as pressuposições naturalistas que dominavam os vários campos científicos. E embora ele reconhecesse alguns sinais de esperança – como a existência de organizações como a Associação Científica Americana – o tom do artigo não é excessivamente otimista em relação à direção da pesquisa científica vigente. Ao mesmo tempo, contudo, Henry reconheceu que os avanços realizados pela ciência moderna não podiam ser ignorados, muito menos pelos teólogos evangélicos. 

The Creation Project originou-se do reconhecimento duplo de que estas condições alteradas são de fato reais e que nós, evangélicos, muitas vezes “gaguejamos” em nossa resposta. Existem, é claro, razões para essa “gagueira”, sobretudo a dificuldade das perguntas e a complexidade das questões envolvidas. Em que situações os desenvolvimentos trazidos pela era moderna poderiam expor erros ou ambiguidades na tradição? Onde a Escritura poderia permitir uma maior abertura a uma dada posição? [3] Inversamente, onde a Escritura e a teologia cristã poderiam confrontar a modernidade e desafiar algumas das crenças e suposições subjacentes de nossa própria era? Essas não são perguntas fáceis, mas são importantes. Uma parte significativa do que está envolvido em respondê-las é identificar em que “condições alteradas” deveríamos nos concentrar e como elas estão relacionadas à teologia. 


Ciência e a Doutrina da Criação na Teologia Moderna

Nesta primavera, o Henry Center irá explorar como teólogos influentes da era moderna responderam a esses desenvolvimentos. Mais especificamente, estamos interessados em como a doutrina da criação figura na intersecção com a ciência moderna, a qual é tanto uma característica central da modernidade quanto ela mesma altamente diversificada. Essa iniciativa inclui uma conferência de dois dias e uma série Sapientia de vários meses. 

Alguns teólogos engajaram-se diretamente com as ciências empíricas, como T. F. Torrance e John Polkinghorne; em outros casos, o engajamento foi mais periférico. Alguns dedicaram mais atenção à física (por exemplo, Jonathan Edwards, Torrance), outros à biologia (por exemplo, B. B. Warfield), e ainda outros a tendências mais amplas e suposições filosóficas no pensamento científico (por exemplo, Barth, von Balthasar, Henry, Gunton).

De uma forma ou de outra, com diferentes tipos de questões e graus variados de aceitação e divergência, cada um desses teólogos abordaram os desenvolvimentos de nossa era moderna. Apesar desse fato, surpreendentemente pouca atenção tem sido dada às formas com que esses diversos teólogos interagiram com as ciências naturais, ou como esses engajamentos se relacionavam com seus vários julgamentos bíblicos e teológicos.


 

Uma criatura moderna: introduzindo a série

Para nossa conferência, o Henry Center reuniu um grupo de teólogos amplamente respeitados para explorar esta intersecção negligenciada: para citar apenas alguns, Christoph Schwöbel sobre natureza, contingência e Espírito na teologia de Wolfhart Pannenberg; Fred Sanders sobre a compreensão de William Burt Pope sobre criação primária e secundária; Kevin Vanhoozer sobre o engajamento de Torrance com as ciências naturais e a teologia da relacionalidade; e Katherine Sonderegger sobre a justaposição entre criação e pacto em Karl Barth.

Em conjunto com este evento, Sapientia irá publicar uma série de 11 partes examinando figuras que não serão abordadas na conferência. Alguns teólogos nessa série são possivelmente mais influentes do que alguns teólogos analisados na conferência, como Bultmann e Kierkegaard. Outros são menos conhecidos, como Schlatter e Jüngel, mas também fizeram contribuições importantes para a teologia moderna que não devem ser negligenciadas. Sem dúvidas, há dezenas de outros teólogos que poderiam ser incluídos em um projeto como este. Não estamos defendendo nenhuma das respostas desses teólogos, nem a posição de seus comentaristas. Em vez disso, nosso objetivo mais amplo é ajudar nossos leitores a compreenderem o complexo conjunto de questões bíblicas e teológicas que confrontam cristãos que “vivem, pensam e se movem sob o dossel da ciência.”

O movimento evangélico está em seu melhor quando resiste à tentação do isolacionismo eclesiástico ou intelectual e, ao invés disso, engaja-se ativamente tanto no mundo cristão mais amplo quanto nos problemas intelectuais que confrontam a igreja. É esse tipo de evangelicalismo que Henry defendeu, e é esse ethos que o Henry Center tem procurado preservar e promover. 

Esperamos que você se junte a nós.


Notas

  1. T.: o termo em inglês é “thick-coming fancies” e se refere a peça A tragédia de MacBeth, de William Shakespeare. O termo aqui traduzido segue a tradução do Dr. Rafael Raffaelli na edição brasileira da obra shakespeariana.   
  2.  “Science and God’s Revelation in Nature.” Bulletin of the Evangelical Theological Society 3, no. 2 (Primavera 1960): 25-36.
  3.  O famoso episódio de Galileu sendo o exemplo mais proeminente na consciência popular. 

Acompanhe os próximos textos da Série“A Ciência e a Doutrina da Criação na Teologia Moderna”, que serão mensalmente lançadas em nosso site.

Veja também: Teísmo Cristão e Ciência: o pensamento de Roy Clouser

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