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“Como construir um planeta habitável” é o título de um popular livro didático americano que conta a história da Terra do “Big bang até a humanidade’. É um livro grande – pois é uma longa história. Todas as evidências que temos sugerem que, em sua infância, a Terra era um planeta mais inóspito e não muito diferente de seus vizinhos próximos. Naquela época, ela tinha uma paisagem vulcânica intermitente, uma estufa atmosférica rica em dióxido de carbono, e era periodicamente bombardeada por asteroides do espaço. Em contraste, hoje vemos um planeta com placas tectônicas móveis, oceanos, continentes, uma atmosfera com oxigênio e repleta de vida, fundamentalmente diferente de Mercúrio, Marte ou Vênus. Mas por que? O que há na história da Terra que a torna tão diferente agora de seus vizinhos próximos?

Tem tudo a ver com água

A pista para entender a distinção da Terra é a presença da água. A água, como conhecemos, é a chave para a evolução da vida na Terra. O que é menos conhecido é o fato de que a água também é a chave para a presença dos continentes – aquelas massas de terra graníticas rochosas que se elevam acima do nível dos oceanos. Um famoso artigo científico da década de 1980 captura bem essa ideia com o título “Sem água, sem granitos Sem oceanos, sem continentes”.  Os continentes foram colonizados pela primeira vez por plantas e, posteriormente, por uma miríade de outros organismos vivos, incluindo nós mesmos. Em contraste, os continentes não são encontrados em nenhum dos outros planetas do nosso sistema solar e até mesmo sua matéria-prima, o granito, é extremamente rara.

Fazendo os continentes

Inicialmente, a água da Terra teria estado presente na nebulosa solar (uma nuvem de poeira e gás de uma estrela explodida) da qual a Terra e outros planetas se formaram. Sabemos que o gelo é comum no sistema solar. À medida que a Terra foi formada, a água foi quimicamente ligada a minerais de silicato recém-formados e tornou-se parte do planeta. Posteriormente, ela foi “desgaseificada” através da atividade vulcânica, para formar os oceanos da Terra. Gradualmente, ao longo do tempo, parte dessa água foi devolvida ao interior da Terra através dos processos dinâmicos de placas tectônicas para desencadear o derretimento da camada externa da Terra, que era feita de basalto. Isso criou derretimentos graníticos de baixa densidade que se solidificaram para formar uma camada quase indestrutível “flutuando” nos materiais mais densos do interior da Terra para formar a crosta continental. Acrescente a este processo um tempo de três bilhões de anos e temos uma “crosta continental” crescente, o lar das formas de vida mais avançadas. Ao mesmo tempo, é essa “vida” que converteu nossa atmosfera original rica em dióxido de carbono na atual atmosfera pobre em dióxido de carbono, e rica em oxigênio e nitrogênio.

Água em Marte

Por muitos anos, os astrônomos sugeriram, a partir de suas observações de características como antigos canais de rios, que já houve água na superfície de Marte. Isso foi confirmado nos últimos anos com os resultados obtidos do Rover Curiosity da NASA, que produziu fotografias detalhadas de sedimentos de água na superfície marciana. Mas se agora não há água em Marte, então para onde foi a água e por quê? Encontrar uma resposta para esta pergunta poderia fornecer uma pista importante para entender por que a Terra e Marte são agora tão diferentes e para começar a explicar por que alguns planetas possuem água.

Uma nova explicação para um Marte seco e uma Terra com água

Um artigo recente na revista científica Nature[1]começou a fornecer algumas respostas. O planeta Marte, ao que parece, foi formado em uma região da nebulosa solar onde a atividade de oxigênio era maior do que na região de formação da Terra. Isso levou a núcleos planetários com diferentes teores de ferro, que por sua vez influenciaram o teor de ferro das lavas de basalto encontradas na Terra e em Marte. Assim, os basaltos na superfície de Marte têm cerca de duas vezes a quantidade de ferro encontrada nos basaltos terrestres. Quando os basaltos são enterrados em uma espessa pilha de lava, eles aquecem e recristalizam em um novo conjunto de minerais – alguns dos quais têm a capacidade de reter água em sua estrutura cristalina interna. Alguns cálculos inteligentes mostram que, por conta de sua composição química diferente, os basaltos marcianos podem reter muito mais água do que os basaltos terrestres e mantê-la no interior planetário. Além disso, como a Terra é muito maior que Marte, qualquer água presa no interior da Terra é eventualmente devolvida à superfície. Tudo isso contribui para uma explicação para a falta de água em Marte – ela está presa no fundo do planeta, retida na estrutura dos minerais de silicato.

A Terra é um lugar especial

Ao falar com o autor sênior deste artigo da Nature, tive um sentimento de admiração. Este novo trabalho mostrou que fazer um planeta semelhante à Terra que reteve água em sua superfície durante a maior parte de sua história não é tão simples quanto supúnhamos anteriormente. Não é apenas a distância do sol ou o tamanho do planeta que permite que um planeta se forme com água líquida e continentes e que é propício ao surgimento da vida multicelular. Também depende de propriedades mais obscuras, como as variações na atividade de oxigênio da nebulosa solar. E, claro, pode haver mais propriedades das quais ainda não temos conhecimento.

No folclore popular, isso seria considerado o fenômeno dos cachinhos dourados – um planeta que é ideal para a vida. Na cosmologia, isso é chamado de “ajuste fino” em reconhecimento às extraordinárias coincidências presentes na estrutura do nosso Universo. Talvez nosso planeta também seja finamente ajustado.

[1]Wade et al. (2017) Nature, 552, 391-394

 

© Faraday Institute

O Professor Hugh Rollinson é diretor de cursos no Instituto Faraday e Professor Emérito de Ciências da Terra na Universidade de Derby. Depois de se formar em Oxford, Hugh trabalhou por vários anos como geólogo de campo no Serviço Geológico de Serra Leoa. Isso foi seguido por um doutorado na Universidade de Leicester e depois um pós-doutorado na Universidade de Leeds. Ele então ingressou na Universidade de Gloucestershire e trabalhou lá por 20 anos, durante os quais tirou uma licença de três anos para trabalhar como Professor Associado de geologia e Chefe de Departamento na Universidade do Zimbábue. Ele então assumiu o cargo de Professor de Ciências da Terra e Chefe de Departamento na Universidade Sultan Qaboos em Omã por seis anos, após os quais atuou como Professor de Ciências da Terra e Chefe de Departamento na Universidade de Derby. Os interesses acadêmicos de Hugh estão na parte mais antiga da história da Terra – os dois primeiros bilhões de anos de evolução planetária e estes são resumidos em seu texto ”Early Earth Systems” (Wiley-Blackwell, 2007).

Hugh sempre teve um compromisso com a fé cristã e procurou integrar suas crenças com seu trabalho científico. Isto tem sido em grande parte por meio do seu serviço à igreja local, onde quer que ele morasse. Ele tem um forte compromisso de tornar a fé cristã acessível e dialogar com aqueles que têm visões divergentes.

 

TEXTO ORIGINAL: https://www.faraday.cam.ac.uk/churches/church-resources/posts/guest-post-building-a-habitable-planet/

Projeto: The Wonders of The Living World
The Faraday Institute

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