por  Pedro Lucas Dulci

Bio

Desde 2015, ocupa a cadeira de pesquisa universitária de Teologia e Ciências na Faculdade de Teologia da Vrije Universiteit Amsterdam. Depois de ocupar cargos anteriores em Groningen, Utrecht e Leiden, tornou-se Professor Associado de Teologia Sistemática na Universidade Livre em 2007. Sua formação acadêmica está na filosofia da religião como praticada na tradição analítica. Graduou-se em 1993 na Universidade de Utrecht com uma dissertação de doutorado sobre a onipotência divina (Deus Todo-Poderoso, supervisionado pelo famoso Vincent Brümmer). Junto ao trabalho acadêmico, de 1994 a 2001, serviu em tempo parcial como ministro ordenado em duas paróquias reformadas. Seu interesse acadêmico nas ciências naturais começou quando foi convidado a ministrar cursos de filosofia da ciência para estudantes de teologia na Universidade de Utrecht. Isto resultou eventualmente em uma segunda monografia acadêmica, Filosofia da Ciência para Teólogos (2004). Em 2010-2011, passou o ano acadêmico como John Witherspoon Fellow em Teologia & Ciência no Centro de Investigação Teológica (CTI), Princeton NJ. Voltando à Holanda, começou a se concentrar na teologia sistemática em geral (e na doutrina da Trindade em particular). Isso levou a um novo manual de teologia sistemática, em co-autoria com o seu colega Cornelius van der Kooi. Minha cidade natal é Woerden, onde moro com minha esposa Gerie-Anne e três filhos adolescentes.

 

  1. Você começou estudar teologia e depois, gradualmente, especializou-se em teologia filosófica (ou ainda, filosofia da religião). Anos mais tarde, sua atenção se voltou para a teologia sistemática para, então, recentemente o seu campo de pesquisa e ensino ser a relação entre teologia e ciências naturais. Qual é a fonte de interesse por esses tópicos?

 

Dado que nos últimos cinquenta anos a Igreja no Ocidente vem secularizando-se e declinando a um ritmo assombroso, sempre fiquei intrigado com as ideias conceituais que dizem contribuir para este processo. Costumo chamar essas ideias de “fatores de ateísmo”, me referindo aquelas correntes de pensamento que tendem a nos afastar de Deus em uma atmosfera de agnosticismo e ateísmo. Minha trajetória profissional é caracterizada pela tentativa de refletir e abordar o que, sem dúvida, são os principais fatores de ateísmo no Ocidente: o problema do mal, a história da filosofia e as afirmações e suposições da ciência moderna. Quando as pessoas explicam por que não acreditam mais em Deus, muitas vezes elas usam um ou mais dos seguintes argumentos: (1) eu vi (ou então experimentei) muito sofrimento e mal; (2) depois de Kant (ou Heidegger, ou Nietzsche, ou então preencha aqui com o seu filósofo favorito) não podemos mais acreditar em Deus; (3) como todos sabem, agora temos a ciência, então a crença em Deus tornou-se supérflua e obsoleta. Os três livros que escrevi sozinho – Deus Todo-Poderoso (1994), Orientação na Filosofia (2000), Filosofia da Ciência para os Teólogos (2004) – foram dedicados a estas três questões, respectivamente, testando em que medida eles são convincentes (e encontrando no final o que todas essas questões no fundo querem…).

 

  1. Durante essa trajetória de formação, quais foram os maiores obstáculos teóricos, práticos ou até mesmo pessoais que você enfrentou?

 

O chamado “evidencialismo” era um obstáculo teórico formidável – o evidencialismo é a ideia de que é errado sempre e em qualquer lugar acreditar em alguma coisa com base em evidências insuficientes. Em uma atmosfera evidencialista, a crença em Deus só é considerada “racional” se a existência de Deus puder ser demonstrada contra os desafios do mal difundido, da autonomia humana e da ciência moderna. Mas, obviamente, a existência e o procedimento de Deus não podem ser demonstrados na forma como as teorias científicas são validadas. Às vezes, esse desafio teórico tende a se tornar também pessoal: esse modo de pensar tipicamente moderno é algo contagiante, e em nosso mundo imbuído de ciência é difícil escapar de seu encantamento.

 

  1. E quais foram as ideias e as pessoas que o ajudaram a ultrapassar essas dificuldades?

 

Eu me beneficiei muito com o profundo trabalho filosófico sobre o evidentialismo, e seu primo próximo, o fundacionalismo, com os filósofos analíticos americanos Alvin Plantinga e Nicholas Wolterstorff – e muitos daqueles que seguiram seus passos. Graças ao trabalho deles, o movimento da filosofia cristã nos EUA tem feito um retorno notável às universidades e a outros meios acadêmicos e intelectuais. Sua principal tese é que, dadas certas condições, a crença em Deus pode ser epistemicamente justificada (ou “garantida”) de uma maneira básica, isto é: sem ser derivada de argumentos racionais.

 

  1. No Brasil, é muito comum pensar que a teologia na Europa foi seriamente afetada pelo liberalismo teológico e pela secularização cultural. Não obstante, na Universidade Livre de Amsterdam existe o Centro Herman Bavinck para Teologia Reformada e Evangélica. Qual é a verdadeira situação da teologia evangélica na Holanda, por exemplo?

 

Como eu disse acima, não é totalmente errado pensar que a teologia na Europa foi seriamente afetada pela teologia liberal e secularização cultural – pelo contrário, infelizmente isso é verdade em grande medida. Por outro lado, no entanto, ainda existem muitas comunidades evangélicas (muitas vezes pequenas, mas vibrantes), dentro e fora das igrejas tradicionais. Elas tentam fazer a diferença em seus bairros e também para a sociedade em geral. Para isso, elas precisam ser nutridas e equipadas a partir de fontes teológicas, e o Centro Herman Bavinck é um dos centros que tenta fornecer tal orientação teológica. Sendo um pensador reformado clássico com uma mente aberta aos muitos desafios de seu tempo, o teólogo holandês Herman Bavinck (e um amigo e colega próximo de Abraham Kuyper), é um exemplo inspirador para nós no cumprimento desta tarefa.

 

  1. Você estudou sobre a supervisão de Vincent Brümmer (Escola de Utrecht), mas atualmente você leciona na Universidade Livre e está conectado com o Centro Abraham Kuyper para ciência e grandes questões. Como você avalia a contribuição específica dessas diferentes escolas holandesas para a formação mais geral da identidade teológica reformada?

 

Quando fui educado na Universidade de Utrecht, a chamada Escola de Utrecht em teologia filosófica forneceu-me as ferramentas conceituais para pensar contra a natureza da cultura moderna, concentrando-me em seus valores epistêmicos como sendo consistentes e coerentes com o que ela acredita, bem como estando de acordo com a tradição cristã e fé bíblica. Desta forma, elaboramos o que poderia ser chamado de “teologia da recuperação”, examinando o significado e a significância contínua de várias doutrinas clássicas. Na minha própria carreira, este trabalho culminou no volumoso manual Dogmática Cristã: Uma Introdução (Grand Rapids: Eerdmans, 2017) que eu sou co-autor com meu colega, o Prof. Cornelis van der Kooi, também da Universidade Livre.

A situação contemporânea na Universidade Livre é bem diferente. Aqui, a palavra do dia é “pluralismo”. Enquanto a faculdade de teologia da Universidade Livre costumava ser um centro de formação para ministros reformados, já há algumas décadas ela abriu suas portas para muitas outras denominações e tradições religiosas. Ainda assim, no entanto, um pressuposto-chave é que você não tem que deixar sua fé para trás quando você passar o limiar da universidade. Pelo contrário, você é convidado a trazer suas convicções mais profundas na discussão com outras tradições de fé, bem como com incentivos e bolsas acadêmicas em teologia e estudos religiosos. Assim, ser religioso não é estranho e o ateísmo não é a posição padrão – mas somos inegavelmente plurais e tentamos aprender uns com os outros. Nesta constelação, continua a haver um lugar legítimo para a teologia reformada e evangélica junto a muitas outras faixas teológicas.

 

  1. Sua pesquisa atual enfoca a recepção teológica da teoria da evolução, particularmente no contexto Reformado. Nesse campo de pesquisa sobre síntese neo-darwinista e fé cristã, quais são os maiores obstáculos e as principais armas para confrontá-los?

 

Sim, fiquei convencido há uma década de que os cristãos não deveriam investir energia no combate à teoria evolucionista, mas deveriam se concentrar em distinguir a sóbria teoria científica da evolução (grande parte dos quais são bastante convincentes) da ideologia anticristã do evolucionismo . É contra este último movimento cultural que a batalha espiritual tem de ser travada. Os cristãos não devem, no entanto, combater o que hoje em dia conta (por boas razões) como resultados estabelecidos da pesquisa científica.

            Isso levanta um bom número de questões intrigantes e importantes para a reflexão teológica: como as passagens bíblicas sobre a criação, especialmente Gn1 e 2, podem ser interpretadas? Como podemos enquadrar milhões e milhões de anos de sofrimento animal com a bondade de Deus e da sua criação? Como fica o Adão histórico, a Queda, e a doutrina da providência? Em meu próximo livro (Teologia Reformada e Teoria Evolucionária. Grand Rapids: Eerdmans, 2017), eu tento mostrar que, embora alguns ajustes precisem ser feitos em nosso pensamento sobre tais questões, o coração da teologia reformada e católica permanece inalterado pela teoria evolucionária.

 

  1. Atualmente você ocupa uma Cátedra de Pesquisa Universitária (uma indicação privilegiada e seletiva como professor em tempo integral), ainda assim, você tem escrito vários livrões, artigos acadêmicos, colunista do jornal Nederlands Dagblad, teve funções pastorais, membro do Conselho da aliança universitária cristã, trabalhou no partido político cristão da Holanda e até chegou a ocupar lugar na lista de candidatos às eleições parlamentares. Como você entende que essas diferentes atividades estão conectadas? É possível ser um pesquisador de alto nível sem isolar-se em uma torre de marfim?

 

Devo admitir que este é frequentemente um desafio enorme. No entanto, isto é o que devemos procurar como acadêmicos cristãos: não nos enclausurarmos no esplêndido isolamento dos nossos estudos, mas também alcançando a igreja e a sociedade em geral, a fim de tornar disponíveis os frutos do nosso trabalho acadêmico a um público mais amplo. Isto pode ser feito através da ligação com movimentos de estudantes cristãos, com a política, com a imprensa, etc., escrevendo contribuições mais populares do que apenas para acadêmicos. Nas universidades holandesas atuais, por sinal, esta é uma exigência geral. É altamente estimulado que cientistas e acadêmicos “valorizem” seu trabalho mostrando como aqueles que vivem e trabalham fora da academia podem se beneficiar dele. Para teólogos, eu diria, isso é ainda mais importante. Eles devem ter como objetivo ser acadêmicos de alta qualidade, mas ao mesmo tempo devem se conectar com os desafios da vida cotidiana e da cultura contemporânea.

 

 

 

 

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