Ele estudou medicina na Universidade de Amsterdã (UvA) e filosofia na Universidade Livre de Amsterdã (VU). Depois de sua especialização em psiquiatria, ele trabalhou no Centro Médico Universitário de Utrecht (1985-2001) e também para o Grupo Dimence: instituto para saúde mental na província de Overijssel (2001). No Grupo Dimence ele é psiquiatra, como também o diretor do programa de residência em Psiquiatria. Ele fez seu doutorado em Utrecht sobre “Conceitos de transtornos de ansiedade e ansiedade: um estudo clínico e filosófico”. De 1992 a 2009 ele ocupou a cadeira especial em Filosofia Reformational na Universidade de Leiden. De 2006-2012, ele ocupou uma cadeira de Filosofia e Psiquiatria, no Centro Médico da Universidade de Leiden. A partir de 2008, foi-lhe concedida a cadeira Herman Dooyeweerd para a filosofia cristã na Universidade Livre de Amsterdã. Em 2016, ele foi nomeado como o primeiro professor para a cadeira de Filosofia da Neurociência no Departamento de Anatomia e Neurociências do Centro Médico da Universidade Livre de Amsterdã. Suas principais áreas de interesse são questões conceituais e normativas na interface entre a filosofia, a psiquiatria, neurociência e sociedade. Juntamente com Henk Jochemsen e Jan Hoogland, ele desenvolveu um “modelo de prática normativa” para a medicina. O professor Gerrit Glas é também o editor-chefe do periódico Philosophia Reformata, é membro do conselho do Centro Abraham Kuyper para a Ciência e Religião, e é presidente da Fundação para a Psiquiatria e Religião e também da Plataforma de Psiquiatria e Filosofia da Associação Holandesa de Psiquiatria.

 

 

1. Você é um filósofo, como também médico, diretor da residência médica em psiquiatria e professor universitário. Acima de tudo, entretanto, você é um cristão. Quais fatores foram decisivos para relacionar sua fé com o seu trabalho?

Eu fui filho de um pai que tinha um grande interesse no papel histórico do cristianismo no mundo (por exemplo, na história da escravidão) e que me ajudou a compreender o pensamento Neo-Calvinista. Em tenra idade, eu li o teólogo Klaas Schilder que, em sua própria maneira, explicou o que Abraham Kuyper ensinou décadas antes, isto é, que: “não existe um centímetro quadrado em que Cristo não possa dizer ‘É meu!’”. Com isso, Kuyper e Schilder queriam dizer que o evangelho não é apenas para a alma, mas que o seu âmbito abrange todo o cosmos. Na mesma linha, a fé cristã tem implicações para a medicina como um todo e não apenas para a minha motivação pessoal e inspiração.

2. Quais foram as pessoas e as ideias, que mais lhe influenciaram durante o seu período de formação acadêmica e pessoal?

Como estudante, eu comecei a ler filósofos reformacionais, entre os quais Herman Dooyeweerd e Dirk Th. Vollenhoven. Dooyeweerd almejava nada menos do que uma “reforma interna” de todo o pensamento teórico. Com isso ele queria dizer que os cientistas deveriam reconhecer que existe sempre algo “atrás” ou “embaixo” de boas teorias e explicações. Ou seja, existe uma orientação a respeito do mundo a qual é, em última instância, de caráter religioso. Ele também enfatizou que as ciências alcançam possíveis aplicações e, ao fazê-lo, revelam o potencial oculto do cosmos em todos os seus diferentes aspectos. Assim, sempre há algo por debaixo e além das ciências e esse “algo” traz você mais cedo ou mais tarde para a religião. Ou seja, para o reconhecimento (ou negação) do fato de que tudo no mundo, de alguma forma, se refere e expressa uma plenitude de significado – que os cristãos atribuem a Deus. Outras pessoas importantes foram Henk van Riessen (que supervisionou minha tese de mestrado), Cornelis van Peursen (que me introduziu na filosofia da ciência) e pensadores judeus como Emanuel Levinas e Joshua Heschel com aquela (hiper) sensibilidade para qualquer tipo de totalitarismo e suas ênfases sobre responsabilidade e o sofrimento. Posteriormente Soren Kierkegaard também se tornou uma importante fonte de inspiração.

Uma das importantes ideias orientadoras na filosofia de Dooyeweerd é que a estrutura e a direção sempre caminham juntas. “Estrutura” refere-se à análise filosófica da constituição da realidade (leis, regularidades normativas, análise de entidades e o conceito de identidade, dentre outros). A “direção” refere-se à atitude de um pensador ou profissional e ao processo de divulgação, não só no pensamento científico, mas também na própria cultura e em práticas diferentes. As culturas podem desenvolver-se de forma normativa ou “anti-normativa”. A ênfase de Dooyeweerd na conexão entre estrutura e direção é outra maneira de dizer que a fé não é algo somente para a alma e que é importante para a existência como um todo. Durante meus anos de residência em psiquiatria meu foco mudou um pouco para questões de antropologia filosófica, especialmente a filosofia da emoção e os tópicos de identidade pessoal e o “eu” [Self].

3. Quais foram os mais comuns, ou recorrentes, obstáculos que você enfrentou durante os anos de formação enquanto cristão na ciência?

Em primeiro lugar, gostaria de enfatizar que logo depois de terminar minha tese (sobre conceitos de ansiedade e transtornos de ansiedade), tive muita sorte em encontrar dois cargos acadêmicos, um em psiquiatria e outro em filosofia. Então, pessoalmente, eu não experimentei muitos problemas. Deixe-me também mencionar que a Sociedade para a Filosofia Cristã tem sido capaz de financiar sete cadeiras especiais em Filosofia Reformacional em diferentes universidades seculares neste país. Estas cadeiras são empregos de tempo parcial (geralmente um dia ou um e meio) e são ocupados por filósofos que também têm outro emprego (profissão, posição acadêmica em outro campo). Essas cadeiras dão uma imensa oportunidade para que os estudantes cristãos (ou não) sejam apresentados à filosofia cristã e à cosmovisão cristã.

No entanto, de um ponto de vista mais amplo, existem muitos obstáculos. O que me surpreendeu enquanto estudante foi a falta de consenso entre os filósofos cristãos, não só na Universidade Livre, mas também num contexto global. Este é ainda um problema, embora menos paralisante como era há trinta anos, e em uma forma consideravelmente diferente. Outro obstáculo maior e mais importante é que a “filosofia cristã” como um projeto filosófico é dificilmente tolerada nas universidades seculares. É permitido estudar abordagens cristãs em uma grande variedade de questões filosóficas, mas apenas adotando um ponto de vista distanciado, não tendencioso (o que significa ponto de vista “neutro”), algo que é um pouco diferente nos departamentos teológicos. Isto é, naturalmente, um pouco irônico, porque é precisamente o pressuposto de que existe tal “neutralidade” que é criticada por Dooyeweerd e seus seguidores. Preocupantes são, além disso, as políticas de financiamento, o que torna cada vez mais difícil adquirir uma posição de doutoramento financiado e / ou empregos em departamentos de filosofia.

4. Como você avalia a importância de associações, centros de pesquisas e fundações de fomento – tais como a ABC², o Centro Abraham Kuyper e a Fundação John Templeton – para o avanço e o fortalecimento desse diálogo entre ciência e fé cristã?

Essas associações e agências de financiamento são muito importantes para a construção de redes, para oferecer plataformas para intercâmbio interdisciplinar e para o financiamento de projetos de pesquisa relevantes e de ponta.
5. Quais os desafios que você vê hoje em dia para o diálogo entre fé, ciência e filosofia? É necessário desenvolver uma postura específica para os nossos dias?

Há não muito tempo, um colega me disse: “Gerrit, mesmo com um modelo adequado, você não vai mudar o mundo”. De certa forma, isso é verdade. A meu ver, é de extrema importância que os filósofos alcancem o mundo real e abandonem a torre de marfim da filosofia acadêmica. Eu mesmo estou cada vez mais envolvido na prática da formulação de políticas no campo dos cuidados de saúde (mental). Com base no modelo de prática normativa, que foi mencionado na introdução, desenvolvi um modelo para pensar sobre a “psiquiatria orientada para o valor”. A diretoria do hospital deu a mim e a um colega meu a oportunidade de colocar esse modelo em prática. Então, o que estamos fazendo agora é estimular discussões sobre valores conflitantes na prática de cuidados de saúde e tentar resolvê-los usando o modelo de prática normativa. O modelo não é um “mapa teórico abstrato”, mas antes um ponto de partida para discussão no local de trabalho.

6. Você tem um livro que será publicado em breve, sobre Psiquiatria Centrada na Pessoa, e outro do qual você é o organizador juntamente com o professor G. J. de Ridder (outro cristão na ciência) a respeito de Ciência, Tecnologia e Práticas Normativas. Além disso, quais são seus planos para este futuro próximo?

Meus planos são continuar a desenvolver a abordagem orientada para o valor aos cuidados de saúde (mental), como também ter mais conhecimento sobre um conjunto de questões em filosofia da neurociência, especialmente o papel das metáforas na “tradução” de descobertas científicas de áreas afins (cuidados de saúde, profissões, público) e o poder explicativo das teorias científicas.

Gostaria também de escrever uma introdução para estudantes sobre as questões de antropologia filosófica de um ponto de vista filosófico cristão. Mais à frente tem um projeto que eu já comecei com um residente em psiquiatria: um estudo sobre a relação entre as emoções, o Eu e o desenvolvimento pessoal.

 

por Pedro Dulci

 

 

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