IMPLICAÇÕES EDUCACIONAIS 

Nós agrupamos as implicações educacionais em três aspectos: temas a partir da teoria da virtude aristotélica, instrução metacognitiva e internalização da identidade moral como entendido na TDA e na literatura de educação do caráter. A Figura 1 é um modelo de trabalho de como as estratégias instrucionais se relacionam com a formação de virtudes intelectuais, as condições que endossam sua internalização como identidade científica (por exemplo, em contextos de aprendizagem que são cuidadosos, relacionais e de apoio à autonomia), e a maneira como a identidade científica modera a influência da pós-verdade na investigação e avaliação de evidências.

Figura 1: Modelo de processo para instrução e internalização de virtudes intelectuais e identidade científica.

 

Ensino de Virtudes Intelectuais 

Muitos escritos recentes sobre o desenvolvimento e a instrução das virtudes inspiram-se em temas aristotélicos (Baehr, 2013; Battaly, 2016; Kristjansson, 2015). Embora as virtudes sejam diferentes das habilidades (Baehr, 2011), ambas compartilham uma estrutura comum no que diz respeito à instrução (Russell, 2009). Aprendemos as virtudes fazendo-as com prática regular e consistente sob a orientação de um tutor virtuoso (Steutel & Spiecker, 2004). A partir dessas considerações, os aristotélicos tiram três lições: (1) o desenvolvimento da virtude requer a orientação de tutores para fornecer instrução formal em virtude; (2) virtude requer imitação de modelos, então que passamos a assumir os sentimentos, motivações e ações característicos do tutor; e (3) a apreensão da virtude requer prática regular. 

A abordagem aristotélica é instanciada de diferentes maneiras pelos educadores da virtude. Por exemplo, Byerly (2019) articulou cinco estratégias pedagógicas para ensinar virtudes intelectuais: instrução direta, uso de exemplos, identificação de virtudes e vícios intelectuais, dando aos alunos oportunidades de praticar os comportamentos característicos das virtudes e autoavaliação. A instrução direta sobre virtudes, sua definição e características-chave, o que elas implicam e como são diferentes do vício intelectual é proeminente em todas as abordagens para a educação do caráter intelectual (Baehr, 2013; Battaly, 2016; Ritchhart, 2002). A justificativa para a instrução explícita sobre as virtudes é dar aos alunos novas categorias conceituais e um vocabulário compartilhado para ajudá-los a desenvolver uma lente esquemática para orientar e avaliar a investigação (Dwyer, 2017). 

Os conceitos de virtude ensinados por meio de instrução direta são então ilustrados por referência a exemplos das virtudes (Byerly, 2019). Expor os alunos a modelos mostra como as virtudes intelectuais (e vícios) se manifestam na vida real e em contextos da vida real, tanto para aumentar a sensibilidade dos alunos à diversidade de situações que os requerem quanto para ilustrar as emoções características que os modelos trazem durante seu exercício (Battaly, 2016). Os modelos não são necessariamente professores, embora ter professores, mentores e supervisores pensando em voz alta seu uso de estratégias de virtude intelectual pode fornecer modelagem cognitiva que é considerada tão eficaz para a aprendizagem de estratégia em outros domínios de ensino (Zepeda et al., 2019). Roberts e Wood (2007) ilustraram várias virtudes intelectuais usando personagens fictícios da literatura. Usar cientistas como modelos de virtudes e vicios pode ser uma característica natural da educação científica em todos os níveis (Paternotte & Ivanova, 2017; Pennock & O’Rourke, 2017), especialmente se os modelos também forem mostrados como “alguém como eu”, ou seja, alguém que também lutou, superou obstáculos e perseverou, em vez de ser um modelo de gênio incomum, como costuma ser feito nos livros de ciências (Lin-Siegler et al., 2016). A identificação também seria melhor quando os modelos não fossem super-representados por uma raça ou gênero. 

Uma terceira e quarta estratégias para ensinar virtudes intelectuais é ajudar os alunos a identificarem virtudes intelectuais usando ilustrações contextualizadas e permitir aos alunos praticar os comportamentos característicos das virtudes intelectuais (Byerly, 2019). O uso de ilustrações ajudará os alunos a identificar as situações que oportunizam o exercício das virtudes, na medida em que cada virtude tem sua manifestação característica própria (Baehr, 2015; Battaly, 2016). Praticar virtudes focais em sua faixa característica de aplicação é fundamental para a educação da virtude aristotélica.

Baehr (2015) forneceu vários exemplos de práticas instrucionais concretas que incentivam o crescimento das virtudes intelectuais. As discussões em grupo lideradas por colegas ou professores, nas quais os alunos são designados para articular pontos de vista contrários aos seus, têm o objetivo de promover a abertura de mente e a humildade. Reescrever rascunhos de papel pode destacar o valor da persistência. A coragem e a tenacidade intelectuais podem ser promovidas, encorajando a mentalidade construtiva e atenuando o medo dos alunos de darem a resposta errada. Baehr (2015) também ilustrou a importância da avaliação das virtudes pelos alunos, que é o quinto aspecto do ensino das virtudes intelectuais (Byerly, 2019). Os alunos devem refletir sobre suas próprias virtudes e elaborar um plano para monitorar o crescimento das virtudes ao longo do semestre. Os alunos também terem a oportunidade de escrever sobre o tipo de caráter intelectual que querem ter e os passos concretos necessários para avançar nessa direção. Na linguagem de identidade moral e phronesis usada anteriormente os alunos são solicitados a pensar e escrever sobre a pessoa ideal que desejam se tornar e o projeto que os leva até lá. 

Uma metanálise recente relatou evidências substanciais de que estratégias de ensino em sala de aula como essas apoiam a aquisição de habilidades de pensamento crítico e a disposição de pensamento crítico (Abrami et al., 2015). Quatro estratégias de ensino produziram tamanhos de efeito significativamente positivos: instrução direta, infusão (tornando o pensamento crítico uma característica explícita durante uma disciplina), imersão (pensamento crítico não explícito durante uma disciplina) e uma estratégia mista em que o pensamento crítico foi ensinado de forma independente. Uma análise mais refinada categorizou a instrução em termos de diálogo, instrução autêntica e tutoria. O diálogo incluiu a aprendizagem por meio de uma variedade de formatos de discussão (pequenos grupos liderados pelo professor e toda a turma, debates, discussão online, discussão oral e escrita). A instrução autêntica apresentou aos alunos problemas genuínos na forma de estudos de caso, dilemas hipotéticos, simulações e situações de dramatização. A tutoria inclui ensino individual e interações diádicas lideradas por colegas. Todas as três formas de instrução foram eficazes para promover habilidades e disposições de pensamento crítico, especialmente quando usadas em combinação (Abrami et al., 2015). Além disso, a tutoria “pode servir como um catalisador para o pensamento crítico; ele pode aumentar outras estratégias de uma maneira poderosa, mas não é especialmente bem-sucedido se fornecido isoladamente” (p. 302). Consequentemente, essas descobertas dão confiança de que as estratégias de inspiração aristotélica podem ser eficazes para ensinar as disposições de pensamento crítico associadas às virtudes intelectuais. 

 

Estratégias Instrucionais Metacognitivas 

Nós argumentamos que os aspectos ‘phroneticos’ da virtude requerem uma descrição metacognitiva do conhecimento e dos processos envolvidos na aplicação das virtudes em situações concretas. Existe uma literatura substancial que ressalta a importância da metacognição na aprendizagem de conceitos em muitos domínios educacionais (Dunlovsky & Tauber, 2016; McCormick et al., 2013), incluindo a educação científica (Zohar & Barzilai, 2013). No entanto, há todas as razões para acreditar que ensinar o saber pedagógico do professor no contexto de metacognição do ensino (Zohar & Barzilai, 2013) seria semelhante a instruir nas virtudes intelectuais como é feito para educação científica (por exemplo). 

Modelar estratégias de uso, usar estímulos e testes, pensar em voz alta, guiar discussões com toda a turma e em pequenos grupos, encorajando a reflexão, fornecendo correções reflexivas e oportunidades para praticar – essas formas padrão para ensinar metacognição também são evidentes no ensino de virtudes intelectuais (Ritchhart, 2002). Ficaram evidentes nas intervenções para melhorar as habilidades e disposições de pensamento crítico (Abrami e outros, 2015). Além disso, a instrução direta de metacognição também tem benefícios positivos para construções motivacionais, como autoeficácia, valorizando as tarefas acadêmicas e estabelecendo o domínio da realização de metas (Zepeda et al., 2015), e nós suspeitamos que isso irá também endossar os aspectos motivacionais de uma investigação intelectual virtuosa. 

 

Identidade Científica 

Nós argumentamos que a identificação com a ciência é central para a autocompreensão e fornece o modelo ‘phronetico’ que dá um estímulo motivacional para a promoção de virtudes. Mas a internalização de identidade pode variar ao longo de um continuum de autonomia como conceituado pela TDA (Krettenauer, 2020). Duas literaturas fornecem informações sobre como a identidade moral – e por extensão, a identidade científica – podem ser melhor alinhadas com estilos regulatórios mais autônomos. Uma literatura surge da psicologia moral (Lapsley & Yeager, 2013), a segunda da própria TDA (Ryan & Deci, 2017). Como a Figura 1 ilustra, essas literaturas ressaltam a importância de contextos de aprendizagem caracterizados pelo suporte relacional e apoio à autonomia para internalização de valores. 

 

Psicologia Moral 

A literatura da psicologia moral sugere que a integridade moral e a busca por objetivos morais são profundamente relacionais. Por exemplo, Kochanska (2002) atribui o desenvolvimento da consciência e do eu moral à “orientação mutuamente responsiva” que caracteriza a afeição precoce entre cuidadores e bebês (Kochanska, 2002). Seu modelo se move da afeição natural para o compromisso da obediência para a interiorização moral. A influência social também foi o mecanismo decisivo que impulsionou o extraordinário compromisso moral de exemplares estudados por Colby e Damon (1992). De fato, o contexto comunitário e relacional da formação moral é um tema comum na educação do caráter moral (Lapsley & Yeager, 2013), e suspeitamos que também esteja implicado nas descobertas sobre tutoria observadas anteriormente (Abrami et al., 2015). Aqui foi mostrado que a tutoria teve um “efeito catalisador” nas estratégias instrucionais para as disposições de pensamento crítico. É provável que o que é catalisado durante uma tutoria não seja simplesmente a aquisição de habilidades de raciocínio crítico, mas também a internalização de valores e compromissos de identidade. 

 

Teoria da Auto-Determinação

Internalização é “o processo de assumir valores, crenças e regulamentos comportamentais de fontes externas e transformá-los em suas próprias” (Ryan & Deci, 2017, p. 182). Esses valores, crenças e regulamentos podem ser integrados dentro do self em um grau variável e, se totalmente internalizados, “estarão amplamente em harmonia ou congruência com outros aspectos de seus valores e personalidade, e sua atuação será experimentada de forma autônoma” (p. 182). Propomos que a internalização das virtudes da ciência siga este modelo. Dentro do contexto de instrução, orientação e prática, essas virtudes são internalizadas ao longo de um continuum de autonomia até o ponto em que esses valores ancoram o senso da própria identidade, ponto em que “a identidade pode ser um poderoso estimulador de comportamentos consistentes com a identidade ”(Ryan e Deci, 2017, p. 387). 

Atender às necessidades psicológicas básicas de relacionamento, competência e autonomia são cruciais para a internalização (Deci et al., 1994). Quando as necessidades relacionais de pertencimento e conexão são atendidas, quando há cuidado e confiança, as crianças são motivadas a internalizar as normas de comportamento dos pais (Kochanska, 2002), os alunos são motivados a internalizar os regulamentos da escola (Ryan et al., 1994) e processar metas socialmente responsáveis ​​(Wentzel, 2003). 

Os regulamentos devem ser assimilados em uma estrutura de identidade que lhes dê significado. Esta identificação “é facilitada por um senso de escolha, vontade e liberdade frente a uma pressão excessiva para se comportar ou pensar de uma determinada maneira” e, desta forma, “o apoio à autonomia permite que os indivíduos transformem ativamente os seus próprios valores” (Ryan & Deci, 2000, p. 74). 

Um estudo de Williams e Deci (1996) é ilustrativo. Este projeto examinou até que ponto os estudantes de medicina chegaram a abraçar um conjunto de valores (o “modelo biopsicossocial”) sobre a melhor forma de interagir com os pacientes. A premissa da visão da TDA é que a internalização é mais provável em contextos de apoio à autonomia. Em dois estudos, Williams e Deci (1996) mostraram que a percepção de autonomia e suporte dado pelos instrutores (por exemplo, “Eu sinto que meu instrutor me oferece opções e escolhas”) promoveu a aprendizagem autônoma e autorregulada dos alunos, seu senso de competência e posterior internalização de crenças e valores transmitidos durante as aulas. Em outras palavras, os alunos eram mais propensos a abraçar os valores biopsicossociais da interação médico-paciente e, mais tarde, adotá-los na prática real, quando os instrutores eram vistos apoiando a autonomia do aluno. Presumivelmente, a internalização de outros valores, incluindo valores intelectuais como mente aberta, humildade, honestidade, entre outros, é uma extensão dessa perspectiva. As virtudes intelectuais tendem a ser internalizadas e, mais tarde, promulgadas, quando a instrução explícita ocorre em contextos de aprendizagem que são percebidos pelos alunos como sustentadores da autonomia. 

Como promover a internalização dos valores da ciência tem implicações na resposta educacional à pós-verdade. Claro, a educação científica (na verdade, toda a educação) deveria ajudar os alunos a nutrir a valorização do conhecimento e da verdade por si só, como um “bem interno à prática” (seguindo MacIntyre, 1984). Desenvolver virtudes intelectuais é a chave para este objetivo. O desafio é como entender a parte motivacional das virtudes intelectuais, a parte que requer o desejo, cuidado e amor aos bens epistêmicos por si mesmos. Como podemos fazer com que os alunos que passaram toda a sua carreira acadêmica perseguindo valores de transcrição, ou seja, notas, prêmios, pontos e classificação – bens externos à prática de aprender, certamente – desejem o conhecimento e a verdade como uma busca fundamental por si mesma e por um profundo desejo pessoal? 

Sugerimos que a psicologia moral e a literatura TDA fornecem uma orientação sobre como apoiar a internalização das virtudes intelectuais. A instrução em virtudes intelectuais ocorrerá idealmente em contextos de aprendizagem que fornecem suporte relacional e de autonomia (Figura 1). Esses contextos são conducentes à internalização a tal ponto que as virtudes intelectuais se tornam constitutivas da auto-identidade de alguém. Nós nos preocupamos com esses valores, somos motivados a persegui-los e a amar os bens epistêmicos por si mesmos, quando eles são centrais, essenciais e importantes para nossa autocompreensão, para nossa própria identidade como pessoa. Uma identidade científica assim constituída deve moderar a influência da pós-verdade na investigação e avaliação de evidências. 

 

CONCLUSÕES E DIREÇÃO FUTURA 

Argumentamos que a deficiência de caráter intelectual coloca a pessoa em maior risco epistêmico na promoção da pós-verdade. Para se libertar de bolhas epistêmicas e câmaras de eco, e substituir os mecanismos cognitivos de proteção de identidade que os guardam, será necessário um conjunto de virtudes intelectuais. Entendemos virtudes intelectuais como excelências cognitivas ou hábitos mentais que sustentam a atitude científica para a avaliação de crenças. A implantação de virtudes intelectuais requer planejamento metacognitivo, avaliação e controle. Também requer conhecimento metacognitivo sobre quais virtudes são mais adequadas para abordar objetivos epistêmicos específicos. Além disso, apelamos para a identidade científica para fornecer o projeto motivacional para orientar o exercício de phronesis e metacognição epistêmica. O que denominamos “identidade científica” é o grau em que as virtudes intelectuais são centrais, importantes e essenciais para a autocompreensão. Assumimos, seguindo a TDA, que a internalização das virtudes da ciência pode ser modelada ao longo de um continuum de autodeterminação crescente, onde o exercício da investigação intelectual intrinsecamente motivada emana do self de forma autônoma. Como Moshman (2009, p. 156) colocou, “As identidades fornecem razões autoconstruídas e duradouras para a ação e, assim, aumentam a autonomia e, potencialmente, a racionalidade”. 

Nossa resposta educacional à pós-verdade foi mostrar como as virtudes intelectuais podem ser inculcadas pelo uso da pedagogia da virtude de inspiração aristotélica, estratégias instrucionais metacognitivas e estratégias para promover a internalização da identidade científica. A internalização de uma identidade científica foi ainda ilustrada pelo apelo à educação moral e à literatura TDA. Embora o ensino para o caráter intelectual exija um foco explícito e intencional como alvo de instrução, muitas das estratégias discutidas aqui já fazem parte da instrução de melhores práticas em outros domínios de aprendizagem, incluindo instrução de estratégia cognitiva, instrução metacognitiva, pensamento crítico e educação moral. 

Ainda há muito a aprender sobre as virtudes intelectuais e sua relação com a investigação e a pós-verdade. Alguns expressaram dúvidas sobre se as virtudes podem ser medidas (Curren & Kotzee, 2014) ou se os exemplos intelectuais fornecem um guia para a ação (Kotzee et al., 2019). A última preocupação é voltada para a teoria moral de Zagzebski (2017), que chama a atenção para modelos morais “extremamente excelentes” como fonte de motivação. A crítica de que o modelo moral falha em fornecer orientação no nível adequado de tomada de decisão pode estar correta. Notamos uma preocupação semelhante com a maneira como os livros didáticos de ciências apresentam figuras históricas mundiais como modelos da ciência. No entanto, os alunos ainda precisam ver exemplos de como as virtudes (e vícios) atuam nas circunstâncias concretas da vida durante a investigação, não apenas para construir o modelo mental adequado de pesquisador virtuoso, mas também para fazer a aspiração parecer possível “para alguém como eu”. Acreditamos que há um papel para exemplos na motivação dessas aspirações. 

A medição das virtudes é um desafio, particularmente se a pedra de toque do sucesso é a operacionalização das virtudes como compreendidas nos ricos detalhes da investigação filosófica. Como observado anteriormente, traduzir conceitos filosoficamente ricos como virtude, caráter e phronesis em construções psicológicas dará origem a um debate contínuo sobre significado, escopo e cobertura do domínio. No entanto, há um trabalho promissor na frente de avaliação. Novas avaliações de caráter virtuoso (Ng et al., 2018) e phronesis (Kristjansson et al., 2020) surgiram. A humildade intelectual atraiu várias tentativas de avaliação (por exemplo, Alfano et al., 2017; Haggard et al., 2018; Hoyle et al., 2016; Krumrei-Mancuso & Rouse, 2016), assim como a curiosidade epistêmica (por exemplo, Litman & Mussel, 2013; Piotrowski et al., 2014). Essa tendência vai despertar um debate útil na educação, na psicologia educacional e no ensino de ciências, e entre as alas empírica e filosófica da psicologia moral, mas também convida à pesquisa contínua sobre o papel das virtudes intelectuais na neutralização das facetas da pós-verdade. 

Uma limitação da presente análise é que nossa concepção de como se libertar de bolhas epistêmicas e câmaras de eco, e derrotar a pós-verdade de forma mais geral, está localizada no nível individual. Refere-se à especificação psicológica do caráter intelectual como uma posse de investigadores virtuosos. Como Longino (2002) mostrou, no entanto, esse individualismo cognitivo é unilateral e ignora o importante papel das forças sociais na garantia de conhecimento racionalmente fundamentado. O cognitivo e o social, por sua vez, não são estranhos epistêmicos. Embora existam elementos de nossa análise que sublinham as dimensões sociais do caráter intelectual (por exemplo, exemplos, contextos de aprendizagem de apoio à autonomia, o suporte relacional para internalização), ainda é uma questão em aberto de como a estrutura social da investigação interage com as qualidades disposicionais dos investigadores (Burbules, 2019). 

Certamente, a cultura da pós-verdade é um desafio para debates racionais urgentes sobre políticas e para a deliberação democrática de maneira mais geral. A aparente facilidade com que os indivíduos são arrastados para as bolhas epistêmicas e a ferocidade com que os bunkers ideológicos são defendidos é motivo de preocupação. Nossa abordagem tem sido focar no caráter intelectual e no desenvolvimento da identidade científica como parte de uma resposta educacional. Concluímos que uma maneira de derrotar as tendências da pós-verdade é tornar a virtude intelectual em um objetivo explícito da educação científica e considerar a educação científica uma forma especial de educação do caráter. 

_________________________

Este artigo é a Parte III do original: Daniel Lapsley & Dominic Chaloner (2020) Post-truth and science identity: A virtue-based approach to science education. Educational Psychologist, 55:3, p. 132-143.

Link da Parte I: https://www.cristaosnaciencia.org.br/pos-verdade-e-identidade-cientifica-parte-i/
Link da Parte II: https://www.cristaosnaciencia.org.br/pos-verdade-e-identidade-cientifica-parte-ii/

Link do artigo original: https://doi.org/10.1080/00461520.2020.1778480

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

(por motivos de espaço e praticidade, as referências completas podem ser acessadas no link da versão original do artigo)

Compartilhe a ABC²