Vanessa Belmonte

Jesus disse para seus amigos, um pouco antes de ser preso e condenado: “Não deixem que seu coração fique aflito. Creiam em Deus; creiam também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se não fosse assim, eu lhes teria dito. Vou preparar lugar para vocês e, quando tudo estiver pronto, virei buscá-los, para que estejam sempre comigo, onde eu estiver. (…) Eu lhes deixo um presente, a minha plena paz. E essa paz que eu lhes dou é um presente que o mundo não pode dar. Portanto, não se aflijam nem tenham medo. Lembrem-se do que eu lhes disse: ‘Vou embora, mas voltarei para vocês’. Eu lhes disse estas coisas antes que aconteçam para que, quando acontecerem, vocês creiam”. — João 14:1-3; 27-29

Antes da morte de Jesus, aqueles que caminhavam mais próximos dele estavam aflitos, sem conseguir entender direito o que Jesus dizia. Afinal, as expectativas que eles construíram ao longo do tempo, de vitória e domínio sobre o governo romano, de vingança e finalmente um reinado de poder, não estavam se encaixando muito bem com o relato de Jesus sobre o que aconteceria nos próximos dias.

Talvez nós estejamos nos sentindo assim também ao celebrarmos, pela segunda vez consecutiva, a Páscoa em meio a uma pandemia mundial. As nossas expectativas de voltar ao normal, de reencontrar os amigos e voltar às aulas, colidem com a realidade de um novo isolamento social, agravamento dos casos e colapso dos hospitais. O coração fica mais aflito e sentimos medo.

Alguns dias depois de sua morte, Jesus vai ao encontro dos seus amigos aflitos: “Ao entardecer daquele primeiro dia da semana, os discípulos estavam reunidos com as portas trancadas, por medo dos líderes judeus. De repente, Jesus surgiu no meio deles e disse: ‘Paz seja com vocês!’. Enquanto falava, mostrou-lhes as feridas nas mãos e no lado. Eles se encheram de alegria quando viram o Senhor. Mais uma vez, ele disse: ‘Paz seja com vocês! Assim como o Pai me enviou, eu os envio’”. — João 20:19-21

Ao celebrar a Páscoa é possível que estejamos como os discípulos de Jesus: trancados em casa, com medo, confusos, ouvindo vários rumores e notícias especulativas, sem saber ao certo se a ressurreição de Jesus tem algum sentido real para nossas vidas agora, querendo apenas que tudo volte ao normal o mais rápido possível. Então, como naquela ocasião, Jesus aparece para nós no meio da sala e nos diz para não ter medo, nos convida para crer nele e declara sua paz sobre nós — nos chama para viver uma nova realidade.

Assim, nos identificando com os discípulos de Jesus, sentindo medo e com o coração aflito, podemos refletir nesta Páscoa em dois aspectos: algo que podemos aprender e algo que precisamos celebrar.

Algo muito precioso que Jesus nos ensina com sua vida é que podemos aprender através das circunstâncias que nos causam sofrimento. Como diz Hebreus 5.7-8: “Enquanto Jesus esteve na terra, ofereceu orações e súplicas, em alta voz e com lágrimas, àquele que podia salvá-lo da morte, e suas orações foram ouvidas por causa de sua profunda devoção. Embora fosse Filho, aprendeu a obediência por meio de seu sofrimento”.

Justamente por causa de Jesus, e porque ele ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos céus e está sentado à direita do Pai agora, o sofrimento não tem mais o poder de destruição, a morte não tem mais a palavra final. O mal, o pecado, a morte e todo sofrimento decorrentes deles foram julgados e vencidos. A dor que eles causam continua real e continua sendo sentida por nós. Porém, é agora usada para cooperar para nosso bem e para nos ensinar o verdadeiro significado da obediência à vontade do Pai – de viver e morrer segundo o governo do amor que se doa, de ser livre para servir ao outro, de entregar sua vida pelos seus amigos, de não ter medo da morte.

Grande é esse mistério. Assim como outros mistérios presentes em nossa fé. O mistério maravilhoso da encarnação de Cristo: Ele é ao mesmo tempo o juiz do universo, e se senta em baixo de uma árvore com um ninho de pardais; Ele ordena os céus, chama cada estrela pelo nome, e chora conosco em nossa dor. Por isso, o próprio Jesus nos diz hoje: Não deixem que seu coração fique aflito. Aquele que vê toda a nossa dor agora e também vê o fim, chora conosco enquanto estamos nela.

Neste contexto, a Páscoa se torna uma oportunidade especial para algo que precisamos celebrar. Temos um motivo real de celebração porque Jesus venceu a morte e está vivo agora, intercedendo por nós. Viver a partir da perspectiva da ressurreição é saber que, hoje, temos um poder, uma graça e uma vida que nos capacitam a ser um novo tipo de pessoa e, consequentemente, a fazer algo (trabalhar, criar, amar, cultivar) a partir do relacionamento com Deus e da nova vida que Ele nos oferece. E, como consequência, a enfrentar o mal, o sofrimento e todos os seus desdobramentos, a partir do poder dessa nova vida.

Talvez, neste ano, o tom de alegria da estação da Páscoa encontre uma mistura mais visível de tristeza por causa da pandemia. Mas, justamente por isso, precisamos meditar nas realidades que sustentam o que acontece neste momento. Na Palavra do Senhor encontramos consolo a partir de um fundamento inabalável que nos traz esperança e nos permite alegrar-nos com as tribulações, pois fé e perseverança estão crescendo, maturidade e integridade estão sendo forjadas em nós (Tiago 1:2-4).

Não lamentamos apenas o isolamento e a vontade de voltar a encontrar, trabalhar e ir para a escola. Essa situação expõe algumas feridas que precisamos lamentar, como a nossa falta de tempo para as coisas que são realmente importantes, o excesso de trabalho, a pressão constante, a dificuldade de descansar e confiar, os relacionamentos superficiais, a ausência das disciplinas espirituais… os novos desafios trazidos pelas diversas mudanças e a necessidade de viver um Evangelho real em meio a tudo isso.

Sim, lamento e a celebração podem coexistir. Como os movimentos de uma dança, somos convidados a nos mover a partir da tristeza de situações que nos levam a lamentar, nos levantamos e dançamos a partir do encontro com a graça que abraça a tristeza e nos conduz em esperança. O pranto do lamento encara as feridas que nos causam dor e as situações que nos afligem diante do único Senhor que pode nos curar e gerar transformação, crescimento e maturidade. Ao contrário da murmuração, o lamento entra em um relacionamento com Deus, confiando nele.

Descobriremos que o mundo é a nossa pista de dança, que se move a partir de uma música iniciada e sustentada por Deus; nossos passos se tornarão mais leves quando aprendermos a confiar no Senhor que nos conduz pela mão e não deixa nenhum acorde escapar de sua vontade soberana. O Senhor está nos chamando para viver essa realidade, neste momento presente, e precisamos aceitar a sua condução.

Deus está redimindo todas as coisas, incluindo cada um de nós. Nossas vidas — e nossos dias — são parte dessa redenção. A ressurreição de Jesus é o centro da nossa história e nós vivemos a partir do que aconteceu nesse dia. Nós temos vida no presente e temos a esperança de um futuro porque Jesus ressuscitou. Portanto, que nesta Páscoa cada um de nós seja capaz de ouvir a voz de Jesus dizendo: “Não deixem que seu coração fique aflito. Creiam em Deus, creiam também em mim. Portanto, não se aflijam nem tenham medo. Paz seja com vocês! Assim como o Pai me enviou, eu os envio para viver estes dias”.

E ainda que os nossos olhos estejam cheios de lágrimas, eles também terão um brilho diferente, causado pela esperança da ressurreição e do relacionamento que já temos com o Deus que foi ferido por nós e que carrega as cicatrizes do seu amor.

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