O Valor da Verdade

Em tempos de ansiedade sobre notícias falsas (fake news) e teorias da conspiração, a filosofia pode contribuir para as nossas questões culturais e políticas mais urgentes a respeito de como nós passamos a acreditar naquilo que pensamos que sabemos.

MICHAEL PATRICK LYNCH

 

No jargão acadêmico, o estudo do que nós podemos saber e de como podemos saber algo é chamado “epistemologia”. Durante a década de 1980, o filósofo Richard Rorty a declarou como morta, dizendo, “vai tarde”. Para Rorty e muitos outros pensadores da época, até mesmo a ideia de que precisamos de uma teoria do conhecimento baseava-se em suposições cartesianas obsoletas de que a mente era um espelho inocente da natureza; ele nos encorajou a jogar fora o bebê – a “verdade” – com a água do banho do racionalismo do século 17. What’s the Use of Truth? (Para que serve a verdade?), perguntou ele, no título provocativo de seu último livro (publicado em 2007). Sua resposta, como a de muitos de seus contemporâneos, foi clara: para quase nada.

Não podemos nos dar ao luxo de ignorar como o conhecimento é formado e distorcido. Nós estamos vivendo uma crise epistemológica.

Como as coisas mudaram. Rorty escreveu a maior parte de seu trabalho antes da era dos smartphones, das mídias sociais e do Google. E mesmo no início da internet, muitos acreditavam que ela, caso viesse a ter algum impacto na sociedade, seria o de aumentar a democratização da informação. As décadas seguintes temperaram esse otimismo, mas também ajudaram a tornar o problema do conhecimento mais urgente, mais fundamentado. Quando milhões de eleitores acreditam, apesar de todas as evidências, que as eleições foram fraudadas, que as vacinas são perigosas e que uma associação secreta de predadores de crianças domina o mundo do porão de uma pizzaria, fica claro que nós não podemos ignorar como o conhecimento é formado e distorcido. Nós estamos vivendo uma crise epistemológica.

A epistemologia, portanto, não está somente posicionada para ser novamente a “primeira filosofia”. Em um sentido real, é um dever de todos nos tornarmos epistemólogos agora –especificamente de um tipo de epistemologia que lida com os desafios do mundo político: uma epistemologia política.

O interesse em como o conhecimento é adquirido e distribuído em grupos sociais tem sido um campo importante de investigação nas ciências sociais. Com notáveis exceções – como W. E. B. DuBois, John Dewey, Thomas Kuhn, e Michel Foucault – os filósofos do século 20 focaram principalmente no indivíduo: suas preocupações centrais eram em como eu sei, não em como nós sabemos. Mas isso começou a mudar próximo ao final do século, quando as teóricas feministas como Linda Alcoff e os filósofos negros (e que trabalham a partir de epistemologias negras) como Charles Mills chamaram a atenção para não apenas as dimensões sociais do conhecimento, mas também para o seu oposto, a ignorância. Adicionalmente, e trabalhando independentemente dessas tradições, filósofos analíticos, liderados por Alvin Goldman, iniciaram investigações sobre questões de testemunho (quando nós devemos confiar no que os outros nos contam), de cognição de grupos e de desacordos entre pares e experts

O resultado global foi uma mudança na atenção filosófica em relação às questões de como os grupos de pessoas decidem que eles sabem as coisas. Essa atenção, não surpreendentemente, está agora cada vez mais focada em como o digital e a política se cruzam para alterar a forma como nós produzimos e consumimos informações. Esse interesse está presente no livro recente de Cailin O’Conner e James Weatherall, The Misinformation Age: How False Beliefs Spread (A era da desinformação: como falsas crenças se espalham) (2019), bem como no trabalho de C. Thi Nguyen sobre a distinção entre câmaras de eco (onde os membros ativamente desconfiam de fontes “externas”) e bolhas epistêmicas (onde os membros simplesmente carecem de informações relevantes). Esses exemplos destacam como a filosofia pode contribuir para as nossas questões culturais mais urgentes sobre como passamos a acreditar no que nós pensamos que sabemos. 

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Um tema importante que passa por grande parte desses trabalhos é que nós podemos estudar os fundamentos sociais do conhecimento sem ter de deixar de lado conceitos como objetividade e verdade, mesmo que tenhamos de reimaginar como os acessamos e os percebemos como valores. E isso é notável em um tempo em que muitos veem o valor da verdade na democracia como ameaçada.

Democracias são especialmente vulneráveis a ameaças epistêmicas porque, ao necessitar da participação deliberativa dos seus cidadãos, eles têm o dever de dar um valor especial à verdade.

Para entender o que isso significa, pode ser útil pensar em alguns dos problemas para os quais precisamos de uma epistemologia política para ajudar a resolver – o que podemos chamar de ameaças epistêmicas à democracia. Democracias são especialmente vulneráveis a essas ameaças porque, ao necessitar de participação deliberativa dos seus cidadãos, eles têm o dever de dar um valor especial à verdade. Com isso, eu não quero dizer (como alguns conservadores parecem pensar sempre que progressistas falam sobre a verdade) que democracias deveriam tentar fazer com que todos acreditem nas mesmas coisas. Isso não é possível, muito menos democrático. Em vez disso, as democracias devem dar especial valor àquelas instituições e práticas que nos ajudam a buscar a verdade com confiança – para adquirir conhecimento em vez de mentiras e fatos em vez de mera propaganda. As ameaças epistêmicas à democracia são ameaças a esse valor e a essas instituições.

De fato, uma característica marcante do nosso cenário político atual é que discordamos não somente sobre valores (o que é saudável em uma democracia) e sobre fatos (o que é inevitável), mas sobre nossos próprios padrões para determinar o que os fatos são. Chame isso de polarização do conhecimento ou polarização sobre quem sabe – em qual expert confiar, e o que é racional e o que não é.

As reações dos norte-americanos à pandemia da COVID-19 servem como uma ilustração dolorosa dos perigos desse tipo de polarização. Durante os primeiros dias da epidemia nos Estados Unidos, e mesmo enquanto a taxa de infecção estava aumentando em todo o país, as pesquisas de Knight/Gallup sugeriram que as opiniões políticas de uma pessoa, e suas novas fontes, previam quão seriamente eles percebiam os riscos à saúde pública. Os republicanos eram os mais propensos a acreditar que a letalidade do vírus era exagerada. Como alguém escreveu de forma bem-humorada no Twitter: “desculpe, liberais, mas não confiamos no Dr. Anthony Fauci”.

Pesquisas sobre o “transbordamento epistêmico” (epistemic spillovers) indica o quão profundamente politizada a polarização do conhecimento realmente é. Um transbordamento epistêmico ocorre quando convicções políticas influenciam no quanto estamos dispostos a confiar em um especialista em uma questão não relacionada à política. Em um estudo que explorou como isso funciona na vida cotidiana, os participantes puderam conhecer tanto as orientações políticas dos outros participantes quanto suas competências em uma área ou tarefa não relacionada a política (na maioria dos casos, tarefas extremamente básicas, como categorizar formas). Em seguida, os participantes foram questionados sobre quem eles consultariam para ajudá-los a fazer as próprias tarefas. Resultado: as pessoas eram mais propensas a confiar naqueles da mesma tribo política mesmo para coisas tão banais como identificar formas. E eles continuaram a fazer assim mesmo quando eram apresentados a evidências de que seus pares políticos eram piores na tarefa, e mesmo quando havia incentivos financeiros para seguir as evidências. Em outras palavras, democratas são mais propensos a confiar em médicos democratas, encanadores democratas e contadores democratas do que nos republicanos – mesmo quando eles têm evidências de que isso levará a resultados piores.

Se você pensa que os democratas são escravos que sofreram lavagem cerebral da mídia liberal, você não irá confiar na suposta experiência deles quando eles lhe contarem que há uma pandemia, ou que a Terra está se aquecendo, ou que a eleição foi justa.

 

Esse estudo e outros similares sugerem que políticas ideológicas e polarização do conhecimento alimentam-se mutuamente em um ciclo de retroalimentação da desconfiança. Se você pensa que os democratas são escravos que sofreram lavagem cerebral da mídia liberal, você não irá confiar na suposta experiência deles quando eles lhe contarem que há uma pandemia, ou que a Terra está se aquecendo, ou que a eleição foi justa. De fato, a desconfiança nos dois lados do espectro político encoraja o ceticismo mútuo – exatamente aquilo de que os epistemólogos costumam ser acusados de perder muito tempo se preocupando.

Esse ceticismo pode impedir as pessoas de seguir as evidências para conclusões que salvam vidas – como a se recusarem a usar máscaras ou fazer distanciamento social. E, de pelo menos duas maneiras, isso pode também ameaçar o compromisso da sociedade em proteger e distribuir informações corretas de maneira justa.

Primeiro, quando pessoas desconfiam da expertise institucional por razões políticas – seja sobre vacinas ou mudanças climáticas – elas não irão se importar com as pesquisas orientadas por tal expertise. E isso, por sua vez, corrói o valor democrático da busca pela verdade – por exemplo, ao minar o financiamento instituições de pesquisa – que, apesar de todas as suas falhas, visam nos ajudar a descobrir em que acreditar e como agir, inclusive na cabine de votação. 

Em segundo lugar, a desconfiança cética também pode – estranhamente – levar as pessoas a se entrincheirar em suas crenças. Os antigos gregos pirrônicos pensavam que o ceticismo era saudável porque tornaria as pessoas mais, é claro, céticas – isto é, menos propensas a acreditar em coisas estúpidas. Mas a triste história da humanidade sugere que eles foram muito otimistas: a polarização do conhecimento parece fazer as pessoas mais confiantes em suas próprias opiniões, e não menos.

Por que isto acontece? Uma possibilidade é que nossas fragilidades psicológicas – certas atitudes das nossas mentes – se incorporam às nossas ideologias. E talvez nenhuma atitude seja mais tóxica do que a arrogância intelectual, que é uma atitude psicossocial de que você não tem nada para aprender com ninguém porque você já sabe tudo. Uma versão popular disso na internet é o efeito Dunning–Kruger, que propõe que pessoas com conhecimento limitado tendem a superestimar sua própria competência – elas não sabem (ou não percebem) o que não sabem. Em seu mais novo livro, The Mismeasure of the Self (A má avaliação de si), a filósofa Alessandra Tanesini argumenta que essa arrogância não é somente um excesso equivocado de confiança; é confundir a verdade com o ego. 

Ideologias arrogantes são construídas em torno de uma convicção central de que “nós” sabemos e “eles” não. Para aqueles que estão nas garras de tal ideologia, as evidências contrárias são percebidas como uma ameaça existencial – a “quem nós somos”.

  

A ideia de que a arrogância é ruim, tanto pessoal quanto psicologicamente, não é nova. O filósofo do século 16 Michel de Montaigne estava convencido que isso levava ao extremismo dogmático e que poderia resultar em violência política. O zelo dogmático, disse ele, fez maravilhas pelo ódio, mas nunca trouxe ninguém para o bem: “não há nada mais miserável nem arrogante do que o homem”. Mas o problema político real não é arrogância individual propriamente, mas ideologias arrogantes. Essas ideologias são construídas em torno de uma convicção central de que “nós” sabemos (as verdades secretas, a verdadeira natureza da realidade) e “eles” não. Para aqueles que estão nas garras de tal ideologia, as evidências contrárias são percebidas como uma ameaça existencial – a “quem nós somos”, ao American Way (Modo Americano), à raça branca, e assim por diante. A ideologia arrogante, em outras palavras, torna-se imune à revisão por evidências; encoraja em seus adeptos o que José Medina chamou de “ignorância ativa”. 

A arrogância produz o sentimento de que temos direitos e privilégios, e esse sentimento, por sua vez, gera ressentimento – formando o venenoso solo psicológico para o extremismo. E, mais importante, isso pode ser facilmente encorajado. Como Tanesini enfatiza, a arrogância está fundamentada na insegurança – no medo de ameaças reais ou imaginárias, sejam elas de traficantes sexuais de crianças adoradores de Satanás ou lasers judeus do espaço sideral.

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Isso nos leva à mais óbvia ameaça epistêmica à democracia, aquela que alimenta e é alimentada pelos outros: as teorias da conspiração, e o que o historiador Timothy D. Snyder chamou de Grandes Mentiras (Big Lies). Há um debate frequente sobre se as pessoas que dizem e compartilham essas coisas “realmente” acreditam nelas, e até que ponto as endossá-las é uma forma de expressar sua identidade partidária. Mas essas podem ser perguntas completamente fora de lugar.

O ataque de 6 de janeiro ao Capitólio em Washington sugere que devemos nos preocupar menos com a sinceridade das crenças e mais em saber se as crenças, sinceras ou não, inspiram ações. 

Qualquer que seja a psicologia (e isso certamente varia) dos indivíduos envolvidos, o ataque de 6 de janeiro ao Capitólio em Washington sugere que devemos nos preocupar menos com a sinceridade das crenças e mais em saber se as crenças, sinceras ou não, inspiram ações. Embora você possa se comprometer a agir em nome de uma ideia sem acreditar nela, do ponto de vista político é esse comprometimento que importa.

Em outras palavras, o que realmente precisamos entender é como grandes mentiras políticas se transformam em convicções. Uma convicção não é apenas algo em que alguém “acredita intensamente” (acredito que dois mais dois são quatro, mas isso não é uma convicção). A convicção é um compromisso que reflete a própria identidade. Ela incorpora o tipo de pessoa que você aspira ser, o tipo de grupo do qual você aspira fazer parte. As convicções inspiram e inflamam. E elas compõem nossas ideologias, nossa imagem da realidade política. E como os filósofos Quassim Cassam e Jason Stanley argumentaram, uma percepção essencial sobre as Grandes Mentiras (Big Lies) é que elas funcionam como propaganda política, como formas de propagar uma visão de mundo particular. Esse é o seu dano político: elas motivam e racionalizam ações extremistas. 

Mas as Grandes Mentiras também fazem outra coisa: elas drenam o valor da verdade e o valor democrático de sua busca.

Para entender como isso funciona, imagine que durante um jogo de futebol, um jogador corre para as arquibancadas e comemora, ao contrário do que realmente aconteceu e até mesmo do replay instantâneo, que marcou um gol. Se ele persistir comemorando, será ignorado ou mesmo penalizado. Mas se ele – ou sua equipe – detém algum poder (talvez seja o dono do campo), então, pode obrigar o jogo a continuar como se sua mentira fosse verdadeira. E se o jogo continuar, então sua mentira terá sido bem-sucedida – mesmo que a maioria das pessoas (até mesmo seus próprios fãs) não acreditem “realmente” que ele marcou o gol. Isso porque a mentira funciona não apenas para enganar, mas para mostrar que o poder é mais importante do que a verdade. É uma lição que não será perdida por ninguém se o jogo continuar. Ele mostrou, para as duas equipes, que as regras não importam mais, porque o mentiroso fez as pessoas tratarem a mentira como verdade.

A mentira funciona não apenas para enganar, mas para mostrar que o poder é mais importante do que a verdade. 

Essa é a ameaça epistêmica para a democracia que as Grandes Mentiras e conspirações engendram. Elas corroem ativamente a disposição das pessoas de aderir a um conjunto comum de “regras epistêmicas” – regras sobre o que conta como evidência e o que não conta. E é por isso que responder a tais ameaças é importante: quanto mais pessoas permanecem impunes, mais gasolina é derramada no fogo da polarização do conhecimento e da arrogância tóxica.

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Aqueles que trabalham com epistemologia política – incluindo os autores que estão contribuindo para um novo “manual” acadêmico sobre o assunto – podem nos ajudar a enfrentar essas ameaças. Mas eles também podem nos ajudar a entender como combatê-las.

Um dos debates atuais gira em torno de saber se a verificação de fatos (fact-checking) sobre as Grande Mentiras e conspirações pode ajudar de alguma forma. Alguns – citando o que foi chamado de “efeito contra-ataque (Backfire effect)” – afirmam que isso pode, na realidade, até mesmo piorar as coisas (fazendo com que aqueles que estão presos nas garras das mentiras se entrincheirem ainda mais nas mentiras). Trabalhos recentes sugerem, felizmente, que tal efeito contra-ataque é exagerado. Mas ainda vale a pena esclarecer o que “ajudar” significa aqui.

Para aqueles presos nas garras de ideologias arrogantes, convencidos de que só eles sabem e todas as outras pessoas são estúpidas, não está claro, na melhor das hipóteses, que apenas apresentar mais fatos para eles vai realmente ajudar – se por “ajudar” queremos dizer “mudar a cabeça deles”. Aqui precisamos ser claros: nesses casos, o que importa não é mudar a cabeça deles, mas mantê-los fora do poder.

A alfabetização digital dá bons retornos quando é iniciada em uma idade precoce. Podemos ensinar isso às crianças – e fazer com que elas sejam capazes de diferenciar conspiração de pensamento crítico.

Mas isso é uma medida a curto prazo. Devemos também nos preocupar com medidas a longo prazo. Felizmente, como os finlandeses têm mostrado, a alfabetização digital dá bons retornos quando é iniciada em uma idade precoce. Estamos apenas começando a entender como o conhecimento é consumido, transmitido e corrompido na Internet. Mas uma coisa que sabemos é que a intensa personalização das informações online está alimentando a polarização do conhecimento. Quase tudo que encontramos na internet – desde as notícias em nosso Facebook até os anúncios em nossos sites de notícias favoritos – é feito sob medida para atender às nossas preferências. E isso significa que os algoritmos que tornam tão gloriosamente simples encontrar o que queremos assistir também tornam extremamente improvável que algum dia encontraremos qualquer coisa casualmente, exceto aqueles “fatos” em que já somos propensos a acreditar. Ensinar isso às crianças pequenas – e fazer com que elas sejam capazes de diferenciar conspiração de pensamento crítico – não é tão difícil. 

Outra coisa que podemos fazer, para usar o termo de Cassam, é “revelar” mentiras e conspirações pelo veneno político que possuem. É importante fazer isso, não porque vai convencer os mentirosos, mas porque isso demonstra nossas próprias convicções e valores – incluindo o valor da verdade em uma democracia. Essa é a vantagem dos fatos e das evidências: eles importam não apenas porque nos ajudam a ver o mundo com mais clareza, mas porque cumprem uma função democrática essencial. As regras epistêmicas fazem parte do que torna o jogo democrático o que ele é, um espaço onde tentamos resolver problemas não com uma arma, mas por meio do intercâmbio de argumentos e razões.

Essas sugestões, é claro, só levarão a pedra até um certo ponto da colina. Não podemos nos contentar em jogar pelas mesmas velhas regras epistêmicas que sempre usamos. Por um lado, as mudanças tecnológicas na forma como recebemos as informações obviamente exigem mudanças na forma como avaliamos as evidências. Por outro lado, precisamos estar cientes de como nossas instituições de conhecimento e crença foram estruturadas para reproduzir as ideologias arrogantes do racismo e do nacionalismo. E como algumas filósofas feministas e negras, de Sandra Harding a Lewis Gordon, vêm dizendo há décadas, precisamos perceber que essas mesmas instituições também isolam e marginalizam aqueles que, ironicamente, estão em melhor posição para ver seus defeitos. Portanto, precisamos respeitar as regras epistêmicas, sim, mas também precisamos escrever novas. Aceitar esta tarefa é aceitar a parte política da epistemologia política.

Rorty abandonou a noção de verdade como inútil em questões políticas. Mas nossa situação não é a dele. Não temos mais a opção de deixar a epistemologia de lado. Devemos, em vez disso, reinventá-la.

Também não podemos ignorar a necessidade de dizer mais sobre a noção que está no centro de qualquer empreendimento epistemológico. É fácil, pelo menos depois que a fumaça se dissipa, ver que os julgamentos políticos são frequentemente falsos. Da questão de imigração até os cuidados de saúde, erramos com mais frequência do que acertamos. Mas isso levanta a questão sobre o que significa acertar na política, em primeiro lugar – falar sobre a verdade em relação a qualquer coisa que envolva as pessoas. A dificuldade desse desafio é parte do que fez Rorty abandonar a noção de verdade como inútil em questões políticas. Mas nossa situação não é a dele. Não temos mais a opção de deixar a epistemologia de lado. Devemos, em vez disso, reinventá-la. 

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