“Bem, em nosso país”, disse Alice, ainda um pouco ofegante, “você geralmente chegaria a outro lugar – se corresse muito rápido por bastante tempo, como estamos fazendo.”

“Um tipo lento de país!” disse a Rainha. “Agora, aqui, veja, é preciso correr o máximo que puder para se manter no mesmo lugar.” [1]

O mundo louco retratado por Lewis Carroll em “Alice Através do Espelho” é um lugar tão dinâmico e em rápida mudança que você precisa correr muito apenas para ficar parado. O mundo vivo opera de maneira semelhante, com um resultado talvez surpreendente. O incidente literário de Carroll dá nome à hipótese da Rainha Vermelha: uma hipótese evolutiva que propõe que os organismos precisam se adaptar e evoluir constantemente, não para obter vantagem reprodutiva, mas para simplesmente sobreviver em um ambiente competitivo em constante mudança. Essa metáfora é particularmente útil no contexto das relações parasita-hospedeiro, onde cada melhoria de uma parte é respondida por uma nova da outra, transformando-se em uma espécie de “corrida armamentista”.

Caso surja um parasita capaz de infectar e finalmente matar, digamos, uma população de camundongos, os pobres roedores estarão sob uma forte pressão seletiva para mudanças, evitando a entrada do parasita. Quando essa mudança ocorre, a nova variante logo ultrapassa a anterior. Mas isso deixa o parasita sem hospedeiro, por isso ele também logo evolui e desenvolve um novo mecanismo de entrada.

Quem, se houver, é favorecido nessas corridas armamentistas? Isso não é fácil de dizer. O organismo com a vida útil mais curta (geralmente o parasita) é capaz de evoluir mais rapidamente e, assim, se adapta melhor. Mas também é importante levar em conta o curioso princípio jantar-vida: o coelho corre mais rápido que a raposa porque o coelho está correndo por sua vida enquanto a raposa está apenas correndo pelo seu jantar. [2] O hospedeiro tende a estar sob uma pressão mais forte, favorecendo sua evolução.

Essas corridas continuam para sempre? Elas podem continuar (nossa luta anual contra a gripe parece sugerir isso), mas também podem terminar com a extinção de uma das espécies. E caso não fosse interessante o suficiente, há uma terceira possibilidade: ambas as espécies podem evoluir juntas e chegar a um ponto em que a relação não é mais desvantajosa para nenhuma delas. Elas terminaram sua corrida armamentista, assinaram um tratado de paz e iniciaram um tipo de relacionamento chamado “mutualismo”. Este talvez não seja um destino surpreendente; afinal, um organismo que ataca constantemente aquele do qual depende não está em uma condição sustentável. Isso explica por que o ebola (com uma taxa de mortalidade chegando a 90% [3]) é um vírus localmente restrito, limitado a surtos, enquanto os vírus da herpes, como o citomegalovírus (que geralmente são assintomáticos), infectaram até 80% da população. [4]

A tendência de passar do parasitismo para o mutualismo (e eventualmente simbiose, ou seja, interdependência) foi observada em várias espécies, de ácaros [5] a cucos [6], e até mesmo nossas próprias células [7]. Um exemplo bonito e muito notável é a relação entre plantas com flores e abelhas. Muitas espécies de abelhas usam o pólen como alimento principal, mas o pólen é essencial para a reprodução sexual dessas plantas (contendo os gametas masculinos). Imagine só uma relação parasitária na qual as abelhas explorassem o pólen das flores dizimando sua população. Contudo a evolução moldou essa relação para que as abelhas contribuam para a reprodução das plantas que estão usando como fonte de alimento. Existem até espécies de abelhas que ajustaram sua morfologia para polinizar plantas específicas. [8]

O paradoxo da Rainha Vermelha mostra que as relações evolutivas não são só de conflito. Até mesmo o conflito pode ser uma força poderosa para a mudança e levar ao desenvolvimento de belos resultados, como o nosso corpo humano. A cooperação geralmente é mais bem-sucedida do que o confronto, e há uma maneira de sair da rivalidade explorando nossas diferenças para o bem comum. Que bela mensagem a ser aprendida em uma época como esta. O próprio Criador que projetou as tendências da natureza ao altruísmo é aquele que nos chama a amar uns aos outros, a abraçar nossas diferenças e imitar Seu exemplo.

Esta definitivamente não é a caricatura tradicional de um mundo darwiniano sombrio, hostil e implacável que às vezes estamos acostumados. Talvez, se estivermos dispostos a ver, haja beleza na dor, bondade nas lutas e esperança nas trevas. Talvez a natureza cante mais alto do que pensávamos.

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[1] Carroll, Lewis: Through the Looking-Glass and What Alice Found There, Chapter 2.

[2] Dawkins, Richard: The Selfish Gene, Chapter 13.

[3] Ebola virus disease, fact sheet. World Health Organization. Available at http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs103/en/

[4] Health Topics: Cytomegalovirus Infection. Medline Plus. Available at https://medlineplus.gov/cytomegalovirusinfections.html

[5] Di Prisco et al. (2016) A mutualistic symbiosis between a parasitic mite and a pathogenic virus undermines honey bee immunity and health. PNAS.

[6] Canestrari et al. (2014) From Parasitism to Mutualism: Unexpected Interactions Between a Cuckoo and Its Host. Science.

[7] Sagan , Lynn. (1967) On the origin of mitosing cells. J Theor Biol.

[8] Shimizu et al. (2014) Fine-tuned Bee-Flower Coevolutionary State Hidden within Multiple Pollination Interactions. Scientific Reports.

 

Daniel Fernández é Pesquisador Estagiário do Centro Nacional de Biotecnologia de Madri, Espanha. Ele recebeu seu Bacharelado em Bioquímica e o Mestrado em Biomedicina Molecular da Universidad Autónoma de Madri, e atualmente está matriculado em um Mestrado em Ensino Secundário. Ele atua como líder de jovens de um grupo maravilhoso em sua igreja local em Aranjuez, onde também trabalha no ministério infantil. Ele é Membro do grupo Espanhol de Ciência e Fé e trabalhou como líder estudantil da GBU (o movimento espanhol do IFES). Ele adora o tempo frio, queijo, ler e viajar, e prefere perguntas ao invés de respostas. 

 

 

Texto original: https://www.faraday.cam.ac.uk/churches/church-resources/posts/guest-post-signing-the-biological-peace-treaty/

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