ruth bancewicz

 

Por Ruth Bancewicz (Faraday Institute)

Tradução: Giselle Fontes Botelho (Física do INMETRO e membro da rede Teste da Fé Brasil)

Algumas pessoas trabalham com o destrinchamento das suposições que os cientistas fazem, e checam se o que eles dizem combina com o que realizam. Quais são os limites da ciência? Que tipos de questões ela pode responder corretamente e quais são os principais aspectos que a definem? Esse tipo de filosofia é uma fonte valiosa de pensamento crítico e essencial para qualquer discussão sobre ciência e religião.

Explorando a filosofia da ciência [1] eu rapidamente descobri que não iria conseguir as respostas de forma fácil. Filósofos adoram discordar entre si e cientistas nem sempre concordam com o que os filósofos dizem. Eu suspeito que essa desconexão aconteça em parte porque os filósofos nem sempre gastam algum tempo em laboratórios de ciência moderna fazendo análises e em parte porque filósofos e cientistas falam em linguagens diferentes. Entretanto, algumas ideias são úteis ao pensar sobre o que é ciência.

A matemática, por exemplo, é dedutível: todos os x são y, este é um x, logo é y. A ciência, por outro lado, é comumente indutiva: até agora todas as vacas que temos visto são ruminantes, isso parece um tipo de vaca, logo é provável que ela seja ruminante. Cientistas tendem a partir de dados limitados – a análise das vacas de uma parte do mundo – para uma conclusão mais geral: todas as vacas são ruminantes. Esses são argumentos baseados em probabilidades, então eles levam a conclusões provisórias. Um dia pode ser que encontremos uma espécie que compartilhe de todas as características das vacas, mas que tenha um só estômago e não quatro – então nós precisaremos inventar novas definições.

A abordagem indutiva tem obtido êxito ao predizer coisas sobre o mundo de forma confiável e também se torna base para desenvolvimento de tecnologia. Essa aproximação se baseia na uniformidade da natureza. Espera-se que a gravidade se comporte da mesma maneira em Júpiter e na Terra e que se Júpiter é maior que a Terra, a gravidade seja bem mais forte por lá. Essa expectativa de que as leis da natureza não mudam de um lado do universo para outro é um ato de fé, mas um ato que tem funcionado até agora. A night science é, na maioria das vezes, uma introdução mais bagunçada do que simples, mas seu princípio continua importante.

Outra abordagem útil em ciência é a inferência à melhor explicação. Esse é um trabalho de detetive: a água absorve e emite a luz numa frequência determinada, nós observamos essa mesma frequência da luz vinda de um planeta distante, então o planeta tem água na sua superfície. O próximo passo é testar a dedução com alguns outros experimentos. No fim você faz de um caso a sua hipótese usando toda a evidência que você encontrou e seus colegas julgam se você está certo ou não. A melhor maneira de mostrar confiança no trabalho de alguém é basear a sua pesquisa nesse trabalho – você vai logo perceber se eles fizeram os experimentos bem ou não.

Após a indução as coisas começam a ficar mais complicadas e eu percebo que os cientistas começam a ficar insatisfeitos com a filosofia da ciência nesse ponto. Cientistas experimentais são pessoas práticas e eles usam métodos de pesquisa que funcionam. Claro que é bom examinar suas suposições e tendências, mas quando se trata de decidir se o mundo físico funciona para além do pensamento humano, as coisas começam a ficar um tanto abstratas demais para algumas pessoas. Como diz Samir Okasha em seu livro Philosophy of Science: A Very Short Introduction (Filosofia da Ciencia: Uma Introdução muito breve, em tradução livre), de tempos em tempos os filósofos da ciência andam tentando dizer aos cientistas o que é e o que não é possível e frequentemente os filósofos estavam errados.

No fim das contas, definir ciência é difícil porque as técnicas das diferentes áreas são muito variadas. A astronomia é uma ciência histórica porque a luz das galáxias mais distantes leva bilhões de anos para chegar aqui, assim como a geologia e a biologia evolucionária também envolvem um trabalho histórico de detetive. Físicos teóricos acham que modelos matemáticos são a realidade, na medida em que eles às vezes se baseiam em equações, mesmo em face da evidência “pesada”. Já os físicos experimentais querem ver o fenômeno físico antes de aceitarem a teoria. A maioria dos cientistas é reducionista, destrinchando as coisas nos pedacinhos e pecinhas que as compõem. Mas cada área tem seus limites: os biólogos vão trabalhar com as moléculas, enquanto os químicos estão mais preocupados com os fenômenos atômicos. Os sistemas dos biólogos são antirreducionistas, trabalhando em organismos como um todo ou em grupos de organismos. Qualquer tentativa de uma definição precisa deixar alguém de fora ou inclui um campo acadêmico que tradicionalmente não tem nada a ver com ciência, como história ou literatura.

Em geral, a ciência normalmente escolhe algumas alternativas possíveis [2]: estuda os objetos ou fenômenos que podem ser pesados, medidos ou observados. Questões de significado ou valor ficam de fora. Ela utiliza generalizações sobre propriedades ou descrições matemáticas das coisas. Suas afirmações são sempre provisórias e abertas a falsificações. Ela reduz a tendência pessoal ao mínimo, colocando em camadas a relevância e a repetição de outros para reduzir ainda mais essa tendência. Essa é a aproximação mais comum dos cientistas e é conhecida como “realismo crítico”. Existe um mundo físico real “lá fora” que podemos estudar, mas nosso conhecimento não é nem exaustivo e nem final. [3]


[1] Samir Okasha, Philosophy of Science: A Very Short Introduction (Oxford: Oxford University Press, 2002); A.F. Chalmers, What is this thing called Science? 2nd edition (Milton Keynes: The Open University, 1982); Harry Collins and Trevor Pinch, The Golem: What You Should Know About Science, 2nd edition (Cambridge: Canto, 1998); John Polkinghorne, Beyond Science: The Wider Human Context (Cambridge: Cambridge University Press, 1996)
[2] Based on an excerpt from Denis Alexander, lecture on ‘The Christian Roots of Science’, Launde Abbey, Leicestershire, June 2013.
[3] John Polkinghorne, Beyond Science: The Wider Human Context (Cambridge: Cambridge University Press, 1996)

 

 

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