microscópio

Encontrando beleza no trivial: da xícara de café de manhã a um verme nematoide

Ruth Bancewicz| 27 de Julho de 2017 | Publicado na versão online da Revista Christianity Today

A premiação do Wellcome Image Awards [um concurso de fotografias] deste ano está realmente inspiradora, e me serve de lembrete para procurar momentos de maravilhamento e adoração na minha rotina diária. A galeria de vencedores online inclui uma impressionante imagem parecida com um mapa da retina de um camundongo, um close-up de um implante de uma lente em um olho humano e um conjunto de DNA em forma de lágrima sendo puxado para uma nova célula. Um não-cientista pode não entender exatamente o que está sendo mostrado nessas imagens, mas com suas fortes cores, formas e texturas, qualquer pessoa pode apreciar sua beleza.

A Biologia, meu campo de trabalho, sempre foi uma área bastante visual, e hoje esse elemento visual pode ser expresso em impressionantes fotografias a cores de alta resolução. Cortes extremamente finos de tecidos biológicos podem ser coloridos com corantes especiais, mostrando onde a divisão celular pode estar fora de controle nos primeiros estágios do câncer. As células vivas são identificadas com marcadores fluorescentes, destacando onde é necessário um certo tipo de molécula. Mesmo em organismos inteiros, esses corantes fluorescentes naturais podem ser usados para acompanhar o desenvolvimento de um órgão específico.

Para alguns cientistas, essas experiências de admiração e maravilhamento apontam para algo além da ciência. A bióloga celular Ursula Goodenough escreveu:

“A beleza notável da célula, de tudo o que é … continua a atrair-me para questões espirituais”.

Jeff Hardin, diretor do departamento de zoologia da Universidade de Wisconsin em Madison, é um reconhecido cientista que é humilde o suficiente para deixar que a experiência de beleza nos minúsculos vermes que estuda direcione sua atenção para o Deus que é, em última análise, responsável por eles. Hardin vê essa beleza como

” algo que aponta para o próprio Deus, o autor daquilo que é lindo e verdadeiro”.

Ele gosta de citar CS Lewis, chamando esses momentos de “manchas de luz divina”. Embora nem todos os cristãos tenham um microscópio, todos nós temos essas “manchas de luz divina”.

Recentemente, eu mesma me deparei com essas palavras no livro de CS Lewis “Oração – Cartas para Malcolm”. Deixando de lado a luta intelectual e as dúvidas, Lewis descreve como ele se permite inspirar pelo seu entorno: as ondinhas de um riacho, os tufos de musgo ou manchas de luz solar em um pedaço de madeira. “Elas não eram a esperança da glória”, ele escreve, mas “elas eram uma exposição da própria glória. … Ao invadir a nossa vontade ou a nossa compreensão, damos nomes diferentes – bondade ou verdade ou algo parecido. Mas seu flash sobre o nossa mente e humor é prazer.”

Lewis continua, explicando que cada um desses prazeres é um “canal de adoração”, expressando muito intuitivamente algo para Deus. A gratidão é certamente parte do pacote, mas ela é amarrada tão de perto com o louvor que os dois sentimentos são impossíveis de separar.

Para Lewis, essa experiência completa e centrada em Deus de prazeres relativamente pequenos, como as ondulações num laguinho ou pantufas quentes em um dia frio, são o ensaio para um encontro muito maior com Deus. Como podemos esperar que adoremos a Deus de maneiras mais manifestas em contextos muito mais grandiosos se não praticarmos a conexão com ele nos nossos contextos mais comuns?

Nesse sentido, o local de trabalho do cristão pode ser uma prova onde a adoração a Deus é refinada. Para Hardin, é o laboratório, e ele não perdeu a alegria pelas maravilhas que vê. Hardin esteve envolvido em ministérios universitários desde quando estava na graduação, e até chegou a estudar teologia antes de decidir que seu lugar era realmente no laboratório. Agora, ele tenta ajudar os alunos em suas aulas a apreciar as maravilhas das coisas que estão estudando.

A estética não é estranha para Hardin, pois estudou música na graduação e, como muitos biólogos, ele inclui uma galeria de imagens no site de seu laboratório onde sua equipe pode exibir suas imagens favoritas. A pesquisa de Hardin concentra-se em um pequeno verme nematoide chamado C. elegans, que compartilha muitos dos mesmos processos que moldam nossos próprios corpos.

“Observar esses embriões minúsculos em detalhes requintados usando microscópios poderosos nos dá um profundo senso da intrincada coreografia celular que constrói seus corpos”, disse Hardin.

Quando ele toca o clarinete ou canta em sua igreja no domingo, isso é um derramamento de tudo o que experimentou durante a semana. Se ele tomou o tempo para parar e apreciar as coisas em que ele está trabalhando, refletindo sobre elas e deixando que o maravilhamento se torne admiração reverente e depois adoração, ele consegue adorar de modo mais completo no domingo.

Um livro de astronomia pode nos ensinar sobre o sol, escreveu Lewis, mas se você quer saber como é o toque dos raios de uma estrela anã amarela sobre sua pele, é melhor dar um pulo pra fora de casa em um dia de calor. Em outras palavras, podemos saber intelectualmente que vale a pena adorar a Deus, mas até que realmente experimentemos as coisas que ele fez, não o encontramos realmente. O cientista revela coisas sobre o mundo que nos mostram ainda mais o caráter criativo de Deus. Hardin pode suspeitar que existe algum detalhe microscópico de uma célula, mas até que a imagem dela esteja no monitor na frente dele, ele não pode saber como é experimentá-la –  e não pode adorar o Deus que a criou.

A vida é agitada para um cientista que trabalha em uma universidade. Com o ensino, a pesquisa, a supervisão de estudantes, o levantamento de dinheiro, o gerenciamento de pessoas, a escrita, a administração e a nova e valiosa exigência de explicar a sua pesquisa ao público em geral, há muito pouco tempo para respirar. Esses momentos de dar um passo para trás a fim de apreciar a beleza de uma imagem fantasticamente detalhada são como raios de luz solar brilhantes em uma semana que de outra forma seria completamente louca ou estressante. Como uma série de presentes espalhados ao longo de um mês, ano ou carreira, essas experiências são sinais para uma realidade maior do que os prazos a cumprir podem sugerir.

Então, para Hardin, a beleza proporciona uma razão para continuar a entrar no laboratório todos os dias, além de ficar conectado com sua fé, mesmo que sua agenda possa, às vezes, tornar isso difícil. Cientistas e não cientistas podem abrir uma janela para deixar o ar fresco entrar. Podemos parar, observar as belezas ao nosso redor, refletir, admirar e adorar. Para muitos de nós, esse lembrete de Deus pode ser uma nova flor em um jardim, uma olhadinha pro nascer do sol enquanto damos uma pausa em nossa rotina matinal ou um café bem feito. Nem todos nós temos o privilégio de fazer descobertas inovadoras, mas, como C. S. Lewis, podemos permitir que mesmo os momentos mais triviais se tornem um lembrete significativo de quem Deus é e de quanto ele merece o nosso louvor.


A Drª Ruth M. Bancewicz  é Senior Research Associate no Faraday Institute for Science and Religion em Cambridge, UK. Ela é PhD em genética, tendo trabalhado na Universidade de Edimburgo e também na associação Christians in Science do Reino Unido. Ela mantém um blog sobre assuntos de fé e ciência em www.scienceandbelief.org.

Tradução de Tiago Garros


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