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Derek C. Schuurman (Ph.D., McMaster University) é autor do livro “Shaping a Digital World: Faith, Culture and Computer Technology” ainda não publicado em português, professor de ciência da computação e assume a cadeira do departamento de ciência da computação na Redeemer University College em Ancaster, Ontario. Schuurman é engenheiro na província de Ontario, membro do Institute of Electronic Engineers (IEEE), da Association of Christians in the Mathematical Science (ACMS), bem como da ACM Special Interest Group on Computer Science Education (SIGCSE).

Derek C. Schuurman graciosamente concedeu uma entrevista à Associação Brasileira de Cristãos na Ciência (ABC2) sobre o relacionamento do cristão com a tecnologia e seu desenvolvimento, seus aspectos históricos, e o envolvimento das igrejas no debate. Confira.

 

  1. Como a ABC² pode servir como uma ponte entre a fé e a tecnologia?

Cristãos que trabalham em diversos campos precisam ser incentivados a trabalhar em conjunto para compreender as implicações de sua fé em suas vocações. No Canadá, temos a Christan Farmers Federation, a Christian Labour Association, e Associações de Escolas Cristãs que oferecem oportunidades para os cristãos em diferentes áreas de atuação fazerem exatamente isso. A Association of Christians in the Mathematical Sciences (ACMS) é outro grupo que existe para encorajar os cristãos nas ciências matemáticas a explorar as relações de sua fé à sua disciplina. Da mesma forma, a American Scientific Affiliation (ASA) é uma organização que encoraja os cristãos a interagir sobre temas relacionados à fé e ciência.

Há uma grande quantidade de ideias questionáveis por aí, e organizações como estas podem servir a igreja e a sociedade em geral, facilitando o diálogo, fornecendo recursos e um local para pesquisa e escrita, além de fornecer oportunidades para os cristãos encorajarem uns aos outros em suas vocações. “Assim como o ferro afia o ferro, o homem afia o seu companheiro.” (Provérbios 27:17). Talvez a ABC² possa fornecer um serviço similar aos cristãos que trabalham na ciência no Brasil.

 

  1. Quais são as questões históricas, teológicas e filosóficas que devem orientar a discussão entre tecnologia e fé?

Devemos lembrar que o diálogo entre fé e tecnologia é um diálogo interdisciplinar. Muitas vezes, aqueles que são especialistas em tecnologia conhecem pouco sobre história, teologia ou filosofia. Da mesma forma, aqueles que são educados em história, filosofia ou teologia, muitas vezes sabem pouco sobre a tecnologia. Como resultado, esta é uma discussão que requer colmatar várias disciplinas, algo que se tornou mais difícil em uma era de crescente especialização.

Alguns dos temas históricos significativos que entram em jogo são a transação dos tempos antigos e medievais para o Iluminismo e, posteriormente, a revolução industrial do século XIX. Isto foi seguido por uma rápida evolução no século 20 e o surgimento da era digital e da informação. O que é importante para entendermos é que as tecnologias têm moldado profundamente a vida das pessoas, o trabalho e o pensamento. O desdobramento histórico da tecnologia está entrelaçado com certos pressupostos e valores. Isto destaca uma questão filosófica importante, a noção de que a tecnologia não é neutra. Nós podemos moldar nossas ferramentas, mas as nossas ferramentas também nos moldam. É precisamente porque a tecnologia nos molda que as questões de fé também são relevantes quando falamos de tecnologia.

 

  1. Quais são as principais questões na relação entre Fé e Tecnologia, e quais seriam as respostas?

Algumas das principais questões sobre fé e tecnologia terão início interrogando-se sobre a natureza da tecnologia. Como cristãos, devemos ver a tecnologia como parte do potencial latente na criação que somos chamados a desenvolver de forma responsável. Temos de evitar a falsa questão de saber se a tecnologia é boa ou ruim, mas reconhecermos que a tecnologia não só tem uma “estrutura”, mas ela também possui uma “direção”. Al Wolters descreve “estrutura” como referindo-se a ordem da criação, enquanto “direção” refere-se à maneira como qualquer coisa na criação pode ser dirigida em obediência ou desobediência à lei de Deus. A tecnologia não é neutra, mas pode ser desdobrada de maneiras que são mais obedientes ou menos obedientes ao Senhor. Algumas das principais questões sobre a tecnologia não é se devemos ou não rejeitá-la, mas sim como devemos buscar formas responsáveis para direciona-la. Quais são os princípios normativos que definem a tecnologia responsável? Que tipos de tecnologia conduzem ao florescimento e que direções são distorções desobedientes ou perversões? Como a usamos para mostrar o amor ao próximo e cuidar da terra e de suas criaturas? Como podemos desenvolver e utilizar a tecnologia para que nos tornemos mais como as pessoas que Deus quer que sejamos? Estes são os tipos de perguntas com as quais devemos começar.

 

  1. Como um cristão deve se relacionar com a tecnologia?

Existem muitas armadilhas em como podemos nos relacionar com a tecnologia. Uma delas é o erro do instrumentalismo – ver a tecnologia como uma ferramenta neutra e perder a noção de que tecnologia pode frequentemente influenciar-nos de diversas maneiras. Outra armadilha é colocar nossa esperança na tecnologia, às vezes expressa como um otimismo cauteloso de que nós eventualmente resolveremos todos os problemas usando o nosso próprio engenho. Sempre que olhamos para as coisas criadas para termos esperança em lugar de olharmos para o Criador, caímos na idolatria. No entanto, outra armadilha é determinismo tecnológico, que aceita a noção de que a tecnologia é uma força autônoma além do nosso controle.

Apesar das muitas armadilhas potenciais, os cristãos não devem evitar a tecnologia, ao invés disso somos chamados a desdobrar suas possibilidades. Parte de fazer isso de forma responsável é reconhecer que artefatos tecnológicos não são apenas de natureza técnica, mas muitos outros aspectos entram em jogo. Estes aspectos incluem o cultural, linguístico, social, económico, estético, jurídico e aspectos éticos. Quando os cristãos se relacionam com a tecnologia eles não devem reduzi-la a apenas bits e bytes ou porcas e parafusos, mas sim ver a tecnologia de forma holística.

Finalmente, é preciso reconhecer que nós não apenas formamos a tecnologia, mas que ela nos molda. Nossos corações estão dirigidos para as coisas que amamos e aquilo que amamos é cultivado através de hábitos e rituais. Precisamos estar cientes de como nos relacionamos com os nossos dispositivos e discernirmos as maneiras como os nossos hábitos tecnológicos podem estar moldando nossos corações.

Por causa de tudo isso, quando trabalhamos com a tecnologia nós necessitamos cultivar um sentido de humildade – evitando o orgulho, reconhecendo nossa finitude e exercitando a cautela, alertas para as possibilidades de consequências imprevisíveis.

 

  1. É possível acreditar em Deus e no avanço tecnológico ao mesmo tempo?

Absolutamente! Como cristãos nós vemos a tecnologia como um dom de Deus e somos chamados a desdobrar as possibilidades da criação de uma maneira responsável. No entanto, não procuramos avanços tecnológicos como meio para resolver todos os nossos problemas. Também não buscamos a tecnologia por si só, mas sim para desenvolver a tecnologia de formas normativas que mostram amor e cuidado para as pessoas e para com o restante da criação.

A noção de “processo de abertura” é um conceito na filosofia neo-calvinista que se refere à “abertura” das possibilidades na criação. Isto também se aplica à tecnologia. Na verdade, o movimento na Escritura é de um jardim para uma cidade. Tecnologia e cultura estão presentes na cidade, mas no novo céu e nova terra tudo será purificado e redirecionado de modo que honre ao Senhor. “Converterão as suas espadas em pás, e as suas lanças em foices” (Miquéias 4: 3). Até então, trabalhamos para desenvolver a tecnologia de formas imperfeitas, reconhecendo que é o Senhor que finalmente inaugurará o seu reino perfeito.

 

  1. A ciência consegue descrever os mecanismos, mas não os significados (como e não o porquê). Como você vê esta questão?

Sim, a ciência é uma disciplina que nos ajuda a perceber a ordem na criação, mas não é uma disciplina equipado para contar-nos respostas sobre o porquê. O naturalismo científico sugere que apenas leis naturais e forças operam no mundo e, portanto, tudo está sujeito a investigação científica. No entanto, esse ponto de vista não se baseia na ciência, mas se baseia em certos pressupostos moldadas por certas crenças. Tais crenças são informadas por uma visão de mundo pré-científica – o conjunto de ideias e princípios que mantemos em relação ao mundo, seu significado e propósito.

Como cristãos, reconhecemos que os “Os céus declaram a glória de Deus; o firmamento anuncia a obra das suas mãos “(Sl. 19: 1). No entanto, é apenas através das Escrituras que chegamos a conhecer Jesus em quem “tudo subsiste” (Cl 1, 17). Na verdade, nada na criação é autossuficiente; tratá-la como auto existente é torná-la divina. Da mesma forma, a tecnologia não se encontra isoladamente neutra, mas sim, com toda a criação, encontra o seu significado no serviço a Deus. Os produtos tecnológicos são essencialmente caracterizados pelo serviço (ou desserviço) a Deus e ao restante da criação.

 

  1. Por quê boa parte dos jovens que ingressam no estudo cientifico e tecnológico se afastam da fé?

Não tenho a certeza das estatísticas, ou até que ponto os jovens se afastam da fé. No entanto, isto faz ressaltar a importância de Faculdades Cristãs, ministérios do campus e organizações de cientistas cristãos que podem incorporar o que significa um trabalho de fé cristã na tecnologia e na ciência. Jovens cristãos precisam de mentores e precisam ver modelos de cristãos que são chamados às vocações na ciência e na tecnologia e que mantêm uma fé vibrante apesar das tensões que surgem quando não há respostas simples para as perguntas desconcertantes.

 

  1. As igrejas estão preparadas para o diálogo entre Fé e Tecnologia?

O que precisa preceder tal diálogo é uma compreensão da natureza abrangente do Evangelho. A necessidade de explorar as ligações entre a fé e a tecnologia é apenas uma extensão da noção de que tudo na vida é religioso. Nas palavras de Abraham Kuyper, “Não há um centímetro quadrado em todo o domínio da nossa existência humana sobre a qual Cristo, que é soberano sobre tudo, não clama, Meu!” O fato é que Cristo é o Senhor de “todas as coisas “(Col. 1: 15-20) e ele nos chamou para sermos seus embaixadores e agentes de reconciliação (2 Cor. 5: 18-21). Isso inclui a tecnologia, mas também as empresas, ciência, educação, política, as artes e toda a vida. Nas palavras do teólogo Gordon Spykman, “Nada importa senão o reino, mas por causa do reino tudo importa”.

Por Breno Oliveira Perdigão

 

 

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