tim keller

Esta série de seis partes é tirada de um artigo que o Dr. Timothy Keller apresentou no primeiro Workshop BioLogos Theology of Celebration, em outubro de 2009. O texto considera três principais grupos de questões que leigos trazem a seus pastores quando introduzidos ao ensino de que evolução biológica e ortodoxia bíblica podem ser compatíveis. Como um pastor e evangelista, Nesta primeira parte, Keller dá uma visão geral da tensão entre os relatos bíblicos e científicos sobre as origens, antes de abordar as questões e respostas específicas nas partes posteriores.


Qual é o Problema?

Diversas vozes no meio secular e evangélico concordam em um ‘truísmo’ – se você é um cristão ortodoxo com uma visão elevada da autoridade da Bíblia, você não pode acreditar na teoria da evolução sob nenhum aspecto. Autores do chamado Novo Ateísmo, como Richard Dawkins, e escritores criacionistas, como Ken Ham, parecem ter chegado a um consenso sobre isto e, portanto, cada vez mais pessoas tratam isso como uma dada verdade. Se você acredita em Deus, você não pode acreditar na evolução. Se você acredita na evolução, você não pode acreditar em Deus.

Tal visão cria um problema tanto para céticos como crentes. Muitos cristãos na cultura ocidental observam e são gratos pelos avanços médicos e tecnológicos alcançados através da ciência, tendo uma visão muito positiva acerca da ciência. Como, então, eles podem conciliar o que a ciência parece dizer-lhes sobre a evolução com as suas crenças teológicas tradicionais? Aqueles que ainda estão conhecendo, buscando ou questionando o cristianismo podem ficar ainda mais perplexos. Eles são atraídos por muitos aspectos da fé cristã, mas dizem: “Não vejo como posso acreditar na Bíblia se isso significa que eu tenho que rejeitar a ciência.

No entanto, existem várias pessoas que questionam a premissa de que ciência e fé são irreconciliáveis. Muitos acreditam que uma visão elevada da Bíblia não exige crença em apenas um relato específico da origem do universo, e argumentam que não temos de escolher entre uma religião anti-ciência ou uma ciência anti-religiosa¹. Eles pensam que há uma diversidade de formas em que Deus poderia ter provocado a criação de formas de vida e da vida humana utilizando processos evolutivos, e que a imagem de incompatibilidade entre a fé ortodoxa e a biologia evolutiva é demasiadamente exagerada².

Por exemplo, uma série de esforços tem sido realizada para argumentar que pode haver razões evolutivas para a crença religiosa. Ou seja, pode ser que a capacidade para a crença religiosa é “adaptativa” ou está ligada a outras características adaptativas, proveniente de nossos ancestrais, pois auxiliaram a sobrevivência e reprodução. Não há consenso sobre esta visão entre os biólogos evolucionistas. Não obstante, a própria proposta parece ser completamente antitética a qualquer crença de que Deus é objetivamente real. No entanto, o filósofo cristão Peter van Inwagen pergunta:

Suponha que Deus existe e deseja que a crença no sobrenatural seja universal, e vê (ele veria isto se fosse verdade) que certas características seriam úteis aos seres humanos, de um ponto de vista evolutivo: propícias para a sobrevivência e reprodução. Isto naturalmente resultaria na crença sobrenatural sendo uma característica humana universal. Por que ele não deveria permitir que estas características sejam a causa do seu desejo? Da mesma forma que o projetista de um veículo pode utilizar o calor residual gerado pelo motor para manter os passageiros aquecidos ³.

O argumento de Van Inwagen é sólido. Mesmo que a ciência pudesse provar que a crença religiosa tem um componente genético que herdamos de nossos ancestrais, esta conclusão não é incompatível com a crença na realidade de Deus ou mesmo na verdade da fé cristã. Não há nenhuma razão lógica para excluir a possibilidade de que Deus poderia ter usado a evolução para predispor as pessoas a acreditarem em Deus no geral, de modo que tais pessoas se tornem capazes de considerar a verdadeira crença quando ouvem a pregação do evangelho. Este é apenas um dos muitos pontos onde a suposta incompatibilidade da fé ortodoxa com a evolução começa a desvanecer sob uma reflexão continuada.

No entanto, muitos leigos cristãos continuam confusos, pois as vozes argumentando que ortodoxia bíblica e evolução são mutuamente exclusivas soam mais altas e mais proeminentes do que quaisquer outras. O que será necessário para ajudar os leigos cristãos a observarem uma maior coerência entre o que a ciência nos diz sobre a criação e o que a Bíblia nos ensina sobre isso?

Pastores e Pessoas

Em minha opinião, o que a ciência atual nos diz sobre evolução traz consigo quatro principais dificuldades para os protestantes ortodoxos. A primeira é na área da autoridade bíblica. Para considerar a evolução, devemos ver pelo menos Gênesis 1 como não-literal. As perguntas surgem nas seguintes linhas: o que isto significa para a ideia de que a Bíblia tem autoridade final? Se nos recusamos a assumir uma parte da Bíblia literalmente, por que tomar quaisquer partes da mesma literalmente? Não estaríamos de fato permitindo que a ciência passe a julgar nosso entendimento da Bíblia, ao invés do contrário?

A segunda dificuldade é a confusão entre biologia e filosofia. Muitos dos defensores mais ferrenhos para a evolução como um processo biológico (como Dawkins) também a veem como uma “Grande Teoria de Tudo”. Eles enxergam a seleção natural como explicação não só de todo o comportamento humano, mas mesmo para dar as únicas respostas às grandes questões filosóficas, como: Por que existimos? O que é a vida? Porque a natureza humana é o que é? A crença na ideia de que a vida é o produto da evolução, não implicaria a adoção de toda esta visão de mundo?

A terceira dificuldade é a historicidade de Adão e Eva. Uma forma de conciliar o que a ciência atual diz sobre a evolução é propor que o relato de Adão e Eva é simbólico, e não literal. Mas, como isso afeta os ensinos do Novo Testamento em Romanos 5 e 1 Coríntios 15, de que a nossa pecaminosidade é proveniente da nossa relação com Adão? Se não acreditamos em uma queda histórica, como é que nos tornamos o que a Bíblia diz que somos, pecadores e condenados?

A quarta dificuldade é o problema da violência e do mal. Uma das maiores barreiras para a crença em Deus é o problema do sofrimento e do mal no mundo. As pessoas perguntam, por que Deus criou um mundo onde a violência, a dor e a morte são endêmicas? A resposta da teologia tradicional é: Ele não o fez. Ele criou um mundo bom, mas também deu aos seres humanos o livre-arbítrio, e através de sua desobediência e “queda”, a morte e o sofrimento vieram ao mundo. O processo de evolução, no entanto, entende a violência, a predação, e a morte, como o próprio motor de como a vida se desenvolve. Se Deus provoca a vida através da evolução, como podemos conciliar isso com a ideia de um Deus bom? O problema do mal parece se tornar pior para o crente na evolução teísta.

Tenho sido pastor por quase 35 anos, e durante esse tempo eu tenho falado com muitos leigos que lutam com a relação entre a ciência moderna e a crença ortodoxa. Nas mentes da maioria dos leigos, são as três primeiras dificuldades que parecem maiores. A quarta dificuldade, o problema do sofrimento e da morte, não tem sido colocada tão frequentemente para mim ao conversar com fiéis. No entanto, em alguns aspectos, o problema do sofrimento se junta à terceira pergunta sobre a historicidade da queda. Sem a visão tradicional da historicidade da queda, a questão do mal parece tornar-se mais aguda.

Portanto, em seguida coloco três problemas básicos que os leigos cristãos têm com o relato científico da evolução biológica. Nada do que apresento aqui deve ser visto como satisfazendo a necessidade de argumentos acadêmicos e rigorosos em resposta a estas perguntas. Apresento respostas e orientações pastorais, de nível popular. Como pastor, eu tive que me basear fortemente no trabalho de especialistas. A primeira pergunta, sobre a autoridade bíblica, exige que eu recorra aos melhores trabalhos dos exegetas e estudiosos bíblicos. Para responder à segunda questão, sobre a evolução como uma “Grande Teoria de Tudo”,  preciso recorrer ao trabalho de filósofos. Quando chegarmos à terceira pergunta sobre Adão e Eva, eu preciso olhar para os teólogos.

Em resumo, se eu, como pastor, quero ajudar a crentes e àqueles que investigam como relacionar coerentemente a ciência e a fé, devo ler as obras de cientistas, exegetas, filósofos e teólogos e depois interpretá-las para o meu povo. Alguém pode rebater argumentando que este é um fardo muito grande para ser colocado em pastores. Em vez disto eles deveriam simplesmente referenciar as obras de estudiosos para os leigos que estão sob seu pastoreio. Mas se não são os pastores que se “dão ao trabalho” de compreender e destrinchar os escritos de estudiosos em várias disciplinas, como é que os nossos leigos o farão? Esta é uma das coisas que os paroquianos querem de seus pastores. Devemos ser uma ponte entre o mundo da ciência e o mundo da rua e do banco. Estou ciente do fardo que isso representa. Eu não sei se já tivemos uma cultura na qual o trabalho do pastor tem sido mais desafiador do que atualmente. No entanto, eu acredito que este é o nosso chamado.


Na próxima parte, Keller começa a apresentar as questões individuais, começando com a forma como podemos entender a evolução em relação a uma leitura literal da Bíblia.

Continue lendo aqui.


1 Um bom livro de linguagem acessível escrito por um cientista foi escrito por Denis Alexander, apropriadamente intitulado “Creation or Evolution – do we have to choose?” (Oxford: Monarch Books, 2008)

Ver Christian Smith, ed. The Secular Revolution: Power, Interests, and Conflict in the Secularization of American Public Life (University of California Press, 2003) e Rodney Stark, For the Glory of God: how monotheism led to reformations, science, witch-hunts, and the end of slavery (Princeton: 2003)

Peter van Inwagen, “Explaining Belief in the Supernatural”, em J.Schloss e M.Murray, ed. The Believing Primate: Scientific, Philosophical, and Theological Reflections on the Origin of Religion. (Oxford, 2009) p.136.

Tradução do original disponível em http://biologos.org/blogs/archive/creation-evolution-and-christian-laypeople-part-1

por Leopoldo Teixeira


[2] [3] [4] [5] [6]

Compartilhe a ABC²