A origem da vida - Sorele Batista Fiaux - ABC2

Sorele Batista Fiaux 
Texto originalmente produzido para o Grupo de Estudos da ABC² em Niterói sobre Interação Ciência e Fé Cristã, com modificações.

 

Muitos cristãos ficam estarrecidos com a ideia de a vida ter surgido por evolução de coisas inanimadas. Para muitos, soa a heresia a ciência estudar a origem da vida. Para outros, o medo da ciência encontrar uma resposta para isso é real. Neste texto está apresentado um resumo da história e das principais hipóteses científicas na busca pela origem da vida. Inserções foram feitas abordando questões comuns entre os cristãos, com o objetivo de auxiliar em discussões sobre o tema. Caso haja mais interesse, uma breve revisão da parte científica, narrada de forma leve, pode ser encontrada no trabalho de Long de 2016 1.


A teoria da geração espontânea

A origem da vida nem sempre foi um problema a ser resolvido. Desde pelo menos Aristóteles até o século 17, todos tinham certeza de que a vida surgia, além da geração por pais da mesma espécie, por geração espontânea, ou abiogênese. Por essa teoria, os seres vivos poderiam surgir espontaneamente de matéria inorgânica ou orgânica, viva ou não, ainda que de outra espécie.2 Assim, sapos surgiam de pântanos e vermes de frutas, com receitas científicas para a obtenção dos mais variados seres. Uma dessas receitas infalíveis foi atribuída ao médico J.B. van Helmont e consistia em colocar num jarro algumas roupas de baixo suadas cobertas de trigo e aguardar 21 dias para a geração de camundongos adultos e totalmente formados.3 

Esse pensamento começou a ser desbancado no século 17, principalmente quando Francesco Redi refutou o aparecimento espontâneo de insetos. Seu experimento consistia em colocar vários tipos de matéria orgânica em jarros, sendo uns fechados e outros não. Nos abertos apareciam as larvas e depois os insetos, mas não nos fechados, demonstrando que os insetos vinham de ovos depositados no material por seus pais.2 Com os experimentos de Redi e de outros, o número de seres considerados de surgimento espontâneo foi se reduzindo, restando apenas os micro-organismos. 

Pasteur enterrou de vez o pensamento da geração espontânea no famoso experimento com os frascos em forma de pescoço de cisne nos anos 1860. Nesses frascos, Pasteur ferveu um caldo nutritivo, que após o resfriamento, mesmo sendo permitida a passagem de ar de dentro para fora do frasco e vice-versa, permanecia estéril. A contaminação somente acontecia quando o pescoço do frasco era quebrado. Apesar de ar não estéril entrar no frasco, os microrganismos ficavam retidos na umidade e curvas do pescoço do frasco, evitando a contaminação. Isso provou para os questionadores da época que mesmo matérias com os elementos necessários à vida, como o meio nutritivo, expostas ao ar (considerado um princípio vital), dependem de contaminação externa para a geração de microrganismos.4 

Pasteur, com seu experimento, mostrou definitivamente que vida só viria através de vida, o que pode ser chamado de biogênese. Pela mesma época Darwin publicou o seu livro “A Origem das Espécies”, que explicava como os seres vivos evoluíram de um ser único e primitivo, mas não explicava a origem desse primeiro ser vivo. Era uma lacuna desconfortável, principalmente porque Darwin não defendia a geração espontânea, mas acreditava que o primeiro ser vivo havia sido trazido à vida pelo Criador.5 Então, ainda restava uma questão, mesmo que um ser vivo venha somente a partir de outro, de onde veio o primeiro?

Alguns cristãos tomam como base a afirmativa de Pasteur que vida só provém de vida, para afirmar que de acordo com a ciência a vida não poderia ter evoluído de matéria sem vida. Esse é um uso errado da biogênese e dos achados científicos. A ciência realmente concorda, com base nos dados, que a vida hoje só provém de outra vida, no entanto, de onde veio o primeiro ser vivo? A melhor hipótese científica é o surgimento a partir de matéria sem vida. Poderia Deus ter feito desse jeito?


O que é vida?

Entender como a vida começou abrange também entender o que é vida, para enxergar as múltiplas possibilidades de seu surgimento. A vida é algo difícil de definir. As diversas estruturas reconhecidas como vivas possuem características e capacidades tão distintas que é quase impossível ter uma definição que contemple tudo isso.6 Normalmente a maioria das pessoas quando pensa em vida, pensa em algo que se alimenta de matéria orgânica, respira oxigênio, cresce, se reproduz. No entanto, essas características não estão presentes em todos os seres vivos.

Por exemplo, a formiga operária e a mula, não se reproduzem; as leveduras ou os vegetais não se movem; algumas bactérias, como as espécies de Clostridium, só vivem na ausência de oxigênio; outras, como Acidithiobacillus ferrooxidans se nutrem de matéria inorgânica; a bactéria Deinococcus radiodurans sobrevive à alta radiação e a arquea Geogemma barossii é capaz de se reproduzir a 121 ºC. Ainda restam os vírus e os príons, sobre os quais não há consenso se são seres vivos ou não.

Apesar de impedir uma definição única, essa grande diversidade e complexidade é essencial à vida.6 A pergunta principal talvez seja: qual a diferença entre um sistema vivo e um sistema não vivo? Ou, quando algo não vivo passa a ser considerado vivo? Essas perguntas abrem a mente para refletir sobre a origem da vida.


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Hipótese de Oparin

Após a demonstração de Pasteur, passaram-se anos até que alguma proposta consistente recuperasse a ideia do surgimento da vida a partir de substâncias sem vida. Surgida em 1924, a Hipótese de Oparin afirmava que a vida não aparecera espontaneamente, nem de algo externo, mas era mais uma etapa no desenvolvimento histórico (evolução) da matéria, desde o surgimento do universo.5 Essa proposta só foi tomada mais seriamente em 1938, com a publicação na língua inglesa de seu livro de 1936 (em russo), que trazia um detalhamento maior de suas ideias.7 

Oparin acreditava que não existia diferença fundamental entre os organismos vivos e matéria sem vida. Sua suposição era que no início existiam soluções simples de substâncias orgânicas, que se comportavam de acordo com as propriedades de seus átomos e de seus arranjos. Com o passar do tempo, novos arranjos surgiram com maior complexidade e, como consequência, novas propriedades. Visualizou que um conjunto de polímeros, parecidos com açúcares e proteínas, teriam se organizado em sistemas multimoleculares simples, os coacervados. Esses, por sua vez, aumentavam de tamanho e como consequência se dividiam8. Na época, havia divergências se genes existiam e as proteínas eram tidas como as responsáveis pela herança biológica.5 Após uma longa evolução, as formas de organização características de um ser vivo seriam desenvolvidas, ou seja, a vida nada mais seria do que uma complexa combinação de propriedades advindas de um processo evolutivo da matéria8.

Para Oparin, o primeiro ser vivo dependia da matéria orgânica do meio em que vivia (era heterotrófico) e essa matéria orgânica havia se acumulado a partir de síntese abiótica, acontecida durante um lento e longo período iniciado logo após a formação da Terra.5 

Muitos cristãos discordam de propostas como a de Oparin de origem da vida a partir de um processo natural começado na formação do Universo. De forma contrastante, o Princípio Antrópico 9,10 costuma ser aclamado. A concepção de que o Universo é finamente ajustado para que exista vida como a nossa parece revelar o Criador. É necessário ressaltar que a ideia do ajuste não é apenas para a manutenção da vida, como pensam alguns, mas para o seu surgimento.

Será que o Deus criador poderia ter planejado um ajuste no início do Universo e cuidado de forma que tudo convergisse para a criação da vida a partir de coisas inanimadas? Ou será que, mesmo tendo ajustado tudo tão finamente, Deus precisaria intervir pontualmente para criar a vida? Talvez a ideia de que é impossível a vida ter sido criada através de processos naturais venha da nossa sensação de que tais coisas são menos sagradas que a vida ou que foi necessário menos poder de Deus para criá-las. Devemos pensar que um processo natural é tão maravilhoso quanto a vida. O que vemos nas Escrituras é que tudo, inclusive a matéria inanimada, foi instituído e continua sendo mantido por Deus (Colossenses 1.15-17). Vemos que Deus dirige e dá ordens para que os processos naturais aconteçam de acordo com a sua vontade (Salmo 104; Salmo 135.6-7). Visto assim, não é estranho pensar que o Deus dos impossíveis pode, através de um processo natural, criar vida.

Outras propostas parecidas com a de Oparin surgiram, dentre as quais a de Haldane em 1929. Sua sugestão era que a atmosfera primitiva da Terra era isenta de oxigênio e rica em dióxido de carbono, com passagem de raios ultravioletas solares. Juntamente com a presença de água e amônia, essas condições permitiram a síntese de compostos orgânicos, que, com o tempo, se acumularam nos oceanos primitivos, formando uma sopa quente e diluída, imagem que continuou sendo usada na literatura como a “sopa primordial”.5,11

Tomando como base o conhecimento da época que as células consistiam de filmes oleosos com moléculas especializadas no seu interior, Haldane propôs que na sopa primordial, com auxílio da radiação solar, poderiam ter se formado macromoléculas que se organizaram de formas diferentes no interior de filmes oleosos, tendo uma dessas organizações as moléculas adequadas para se reproduzir.11 Sem competição e com “alimento” à disposição, essa estrutura teve sucesso originando a vida. No entanto, propôs que antes desse estágio teriam surgido os vírus, a partir do entendimento que vírus eram os genes, isto é, poderiam ser os responsáveis pela hereditariedade.5,11 Mais tarde em sua carreira, Haldane insistiu na necessidade de um sistema mínimo de moléculas, que pudesse sintetizar algumas enzimas que possibilitassem sua autorreprodução. Considerava também ter o RNA um papel importante na origem da vida, ideia que predominou nos anos 80.11  

Haldane focou na formação de moléculas que transmitiam hereditariedade e Oparin em estruturas que possuíam metabolismo. Oparin também acreditava numa atmosfera primitiva redutora e na “sopa primordial”, com compostos semelhantes a proteínas dissolvidos. Entretanto, não acreditava que os primeiros seres vivos eram vírus e não aceitava a ideia de que a vida dependeria da chance de surgimento de um gene que pudesse transmitir a hereditariedade. Até o final de sua carreira, Oparin defendia que as moléculas biológicas como o DNA, tão ajustadas e funcionais observadas atualmente só foram capazes de emergir durante o processo de transição da química para a biologia baseado na formação e seleção de sistemas prebióticos.5

A tese de Oparin era refinada, compatível com a ideia evolutiva de Darwin e com uma época em que muitos acreditavam que os genes não existiam.5 Mais tarde, a riqueza de detalhes permitiu Miller transformar especulação em prática e iniciar as pesquisas no tema Origem Química da Vida.7


Os experimentos de Miller

Stanley Miller, um estudante de doutorado, curioso com a plausibilidade das ideias de Oparin, solicitou orientação ao prêmio Nobel Dr. Harold Urey, também interessado no tema origem da vida, para reproduzir tais ideias em laboratório.12 O experimento consistiu de um aparato de vidro, que permitia que uma mistura dos gases metano, amônia, vapor d’água e hidrogênio, fosse submetida a descargas elétricas, sob uma alta temperatura.13,14 O líquido, formado por condensação no próprio aparato, continha uma mistura de vários aminoácidos e ácidos orgânicos. Mais tarde, os resíduos desses primeiros experimentos foram reanalisados com equipamentos mais modernos, não só confirmando os achados, mas constatando que foram sintetizados mais aminoácidos do que aqueles relatados originalmente por Miller.15,16

Miller tinha uma clara noção de que muito ainda precisava ser feito para comprovar a origem da vida: “Estas ideias são, é claro, especulações porque nós não sabemos se a Terra tinha uma atmosfera redutora na época em que foi formada”.13 Seus experimentos, porém, mostraram ser possível testar em laboratório as primeiras etapas necessárias ao surgimento da vida e abriram caminho para outros. A respeito dos experimentos de Miller, Harold Urey, que rejeitava a ideia de Deus embora defendesse a moral religiosa17, comentou “Se Deus não fez assim, então perdeu uma boa chance!”18

Com o passar dos anos, muitos experimentos foram feitos, tendo êxito em sintetizar diferentes compostos orgânicos básicos para a vida a partir de inorgânicos, em diversas condições, seja em atmosferas redutoras ou neutras.19,20 Por feliz coincidência, a época era de crescente conhecimento das moléculas básicas dos seres vivos. Basta dizer que o primeiro artigo de Miller foi publicado no mesmo ano (1953) em que foi descrita a primeira sequência de aminoácidos de uma proteína e a estrutura dupla hélice do DNA. 

Os experimentos de Miller não resultaram em um ser vivo e isso é utilizado por muitos cristãos para criticar a busca pela origem da vida. Na verdade, os experimentos de Miller foram de muita importância, pois abriram o caminho para as pesquisas nesse tema. Parece que, por se considerar a vida como planejada, não se deve procurar uma explicação científica para a origem da vida.

Na mesma linha, vemos que muitos alegam que o DNA, por ser uma estrutura muito complexa e conter uma quantidade de informação admirável, só pode ter sido planejado. O que deve ser feito diante da afirmativa de que o DNA e a vida são muito complexos e por isso foram planejados? A ciência deve parar o estudo sobre o DNA, sobre sua origem ou sobre a origem da vida? Descobrir como Deus fez sua obra pode ser uma forma de glorificar a Deus, pois explora o que Ele criou, como bem pontuou Jennifer Wiseman.21 Ou, como disse Denis Alexander,

“Graças a Deus, as pessoas em gerações anteriores não se limitaram a dar de ombros diante do profundo mistério da hereditariedade nem disseram ‘foi planejado!’, mas se dedicaram ao árduo trabalho de descobrir como Deus fez isso.” (comentando sobre os benefícios do avanço no entendimento da genética com a descoberta das propriedades do DNA em 195522).  

Além da questão da atmosfera levantada por Miller, outros aspectos da Hipótese de Oparin necessitam de esclarecimentos. Aparentemente, Oparin apontou um caminho racional para a origem da vida, mas que precisa ser discutido e estudado nos seus detalhes. 


Oparin e a ciência de hoje

As ideias de Oparin testadas por Miller foram importantes para reacender o debate sobre a origem da vida. Atualmente muitas hipóteses são estudadas:

 

1) Para Oparin a vida teria se iniciado no mar. Atualmente supõe-se ser mais plausível que a vida tenha se iniciado em pequenos lagos, em aerossóis, em membranas ou em superfícies minerais. O mar seria um sistema muito diluído para possibilitar choques ocasionais entre as moléculas formadas na síntese abiótica, e consequentemente, para gerar vida. Outro ponto questionado é que as reações de formação de macromoléculas são de desidratação e não se passariam em presença de água. As superfícies minerais como argilas, mica e outras, por exemplo, poderiam adsorver os compostos orgânicos seletivamente, servindo de catalisador e mantendo as moléculas juntas em concentrações favoráveis às reações.23,24 Assim, possibilitariam a auto-organização e autorreplicação e, em alguns casos, poderiam servir de parede celular até o desenvolvimento das membranas ou ser o próprio catalisador da formação das membranas. Outra possibilidade é que primeiro se formariam membranas que atrairiam certas moléculas, concentrando-as e permitindo as reações entre elas.25 Já foi verificada a formação de membranas lipídicas (lipossomas) que espontaneamente concentram em seu interior compostos solúveis em água, permitindo reação entre eles. Esses modelos já catalisaram a formação de proteína.26 Ainda há a sugestão de que a vida teria surgido nas fontes hidrotermais do fundo do oceano.27 O ambiente teria trazido calor e fornecido íons vindos das profundezas da terra. Nos poros do mineral (sulfito de ferro), os compostos orgânicos teriam sido produzidos, armazenados, reagido e se auto organizado para emergir como a protovida. Os indícios de fósseis primitivos encontrados em fontes hidrotermais ressaltam a possibilidade do surgimento da vida nesses locais.

2) Para Oparin, os coacervados eram formados de proteínas que também poderiam transmitir a herança genética. Com a descoberta de que o DNA é a molécula responsável pela hereditariedade esse pensamento não foi mais aceito. Também não foi mais possível aceitar que um ser primitivo já possuísse uma molécula de alta complexidade como o DNA. Além disso, o DNA precisaria de catalisadores bem específicos como as enzimas (proteínas com atividade catalítica) para a sua síntese; as enzimas, por sua vez, dependeriam da informação genética codificada no DNA para serem sintetizadas. Por conta disso, muitos propuseram que a primeira molécula com informação genética deveria ser também capaz de catalisar reações como as enzimas. A descoberta de que certas moléculas de RNA têm função catalítica (as ribozimas), tornou o RNA o melhor candidato à primeira unidade de transferência de informação. Assim, essa molécula seria ao mesmo tempo o modelo, o produto e o mediador do processo de duplicação. As ribozimas teriam catalisado as primeiras proteínas, formando um mundo de RNA e proteínas, com transição gradual posterior para o mundo de DNA e proteínas que temos hoje. Há pesquisas apresentando possíveis rotas para a formação do RNA19,28 e do código genético.29. Em contrapartida, foi verificada a síntese química seletiva de α-peptídeos a partir de moléculas prebióticas plausíveis, o que abre a possibilidade de sua geração primordial sem a necessidade de formação prévia de aminoácidos e de catálise enzimática.30 Os peptídeos são moléculas formadas por aminoácidos como as proteínas, só que mais curtas. 

3) Para Oparin, o primeiro ser vivo era uma estrutura que possuía um metabolismo primordial. Atualmente há modelos que tentam mostrar a possibilidade disso.31 Havendo um metabolismo primordial, não seria necessária logo no início uma molécula especializada em replicação ou catálise. Pequenas moléculas contidas em um envoltório formariam uma rede que permitiria a ocorrência de reações químicas autossustentáveis estimuladas por uma fonte de energia externa. As propriedades dinâmicas da química envolvidas seriam mais importantes que o tipo de moléculas presentes.32 A vida teria surgido não apenas por processos químicos, mas também dependente de processos físicos como uma força motriz na direção da organização. Essa rede metabólica poderia dar origem a um metabolismo heterotrófico ou autotrófico.

4) Para Oparin o processo de evolução da matéria até o primeiro ser vivo foi longo. A descoberta de fósseis datando 3,5 bilhões de anos e indícios de vida há 3,8 bilhões de anos, faz o processo necessariamente rápido, considerando que a Terra deve ter 4,5 bilhões de anos. Isso trouxe de volta a ideia de panspermia, isto é, que a vida foi originada fora da Terra e nela semeada por cometas ou meteoritos.33 Assim, a origem da vida poderia ter uma idade maior do que a Terra. Essa ideia data de antes de Cristo, mas foi abandonada por um tempo e depois retomada. Alguns cientistas famosos como Francis Crick defendiam, inclusive, que micro-organismos poderiam ter sido espalhados na Terra por naves espaciais.34 Atualmente vários cientistas estudam a possibilidade de surgimento de vida em outros lugares do universo e seu transporte pelo espaço, de síntese de moléculas orgânicas em condições espaciais, da existência de moléculas orgânicas ou esporos no espaço e outros assuntos relacionados ao estudo da vida no Universo. A disciplina que atende esses assuntos é a astrobiologia (exobiologia ou bioastronomia).35 Em vários dos meteoritos que chegam à Terra foram encontrados compostos orgânicos necessários à vida, o que corrobora a ideia de que esses compostos foram sintetizados em outros lugares do espaço. A panspermia oferece uma explicação para a origem da vida na Terra e transfere a possibilidade de seu surgimento para outros lugares do Universo.

A questão da origem da vida ainda permanece sem resolução para a ciência, sem uma teoria aceita, embora com muitas hipóteses. Chegar a uma teoria talvez não seja tão simples por não ser igualmente simples saber exatamente como era o mundo e nem quais eram as variáveis atuantes nos sistemas abióticos de então. As hipóteses listadas acima costumam se interligar na tentativa de explicar a origem da vida. É possível que vários mecanismos tenham ocorrido simultaneamente para que a química virasse biologia.36 Apesar de toda a dificuldade, o progresso tem sido considerável e, aparentemente, uma teoria para o surgimento da vida deve ser formulada em algum momento. Talvez essa teoria não se proclame a única e real possível para a origem histórica da vida, mas pelo menos entenderemos um pouco melhor essa intrigante questão.

Mesmo que no futuro seja formulada uma teoria para a origem da vida, isso não eliminará o fato de que a vida é algo sagrado e só a Deus pertence, nem fará Deus menos poderoso. A vida não será menos impressionante por ser conhecida uma forma plausível de seu surgimento. Esse conhecimento também não nos fará criadores, nem donos da vida, nem descartará Deus como criador (Salmo 24.1; 1 Coríntios 6.19). O que acontece na natureza tem sempre Deus como causa, mas ao mesmo tempo devemos reconhecer que Deus criou a natureza de forma robusta o suficiente para fazer o que deve ser feito.37 É preciso reconhecer que os processos naturais tem poder de realizar algo, mas esse poder vem inicialmente do poder de Deus que os criou. Isso é um pensamento cristão.

Pelas muitas e diferentes hipóteses, o surgimento da vida não foi algo corriqueiro e fácil de explicar. Se a vida surgiu na Terra, deve ter sido um evento único e extraordinário, uma vez que o tempo entre a formação da crosta terrestre e o aparecimento dos primeiros fósseis de seres vivos é muito curto. Com certeza, se os seres vivos com toda essa maravilhosa maquinaria genética e de catálise que conhecemos hoje vieram de matéria inanimada, o processo que levou a esse surgimento foi algo impressionante. Estou certa de que a descoberta desse processo levará o cristão e quem sabe, todos os seres humanos, a reconhecer mais ainda a grandeza, o poder e a criatividade do Deus das Escrituras.


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