por Cara Daneel* / tradução Aquila Mazzinghy

Para um cientista e matemático, a questão do “o que é real?” está fortemente ligada àquilo que se pode provar (proofs). Em seu seminário, no mês passado, no Faraday Institute, o matemático e filósofo P. Douglas Kindschi afirmou que “há um lugar na mesa da ‘Ciência-e-Fé’ para a matemática”. Ele destacou que as provas (proofs) são os elementos sobre os quais está balizada a matemática, e que, historicamente, ela teve o forte papel de indicar aquilo que era real. Grandes mentes da ciência e da matemática do passado afirmaram coisas semelhantes:

“As leis da natureza são apenas os pensamentos matemáticos de Deus.”
Johannes Kepler

“O grande livro da natureza só pode ser lido por aqueles que conhecem a língua em que está escrito. E esta linguagem é a matemática.”
Galileo Galilei

“Este bonito sistema composto por sol, planetas e cometas poderia somente proceder do conselho e domínio de um Ser inteligente e poderoso… Este Ser governa todas as coisas, não como a alma do mundo, mas como Senhor sobre tudo.”
Isaac Newton

A tradição também diz que, há séculos, Platão teria colocado uma placa acima da entrada de sua academia em Atenas dizendo: “Que nenhum ignorante da geometria possa entrar neste lugar”. Mesmo que as ideias científicas tenham sido revistas e substituídas muitas vezes desde os tempos de Platão, os teoremas matemáticos descobertos, comprovados e utilizados pelos primeiros cientistas continuam válidos até hoje. A matemática tem um poder único para nos ajudar a compreender o mundo, descobrindo as regras e as relações que compõem a estrutura da realidade.

Antes que matemáticos possam ficar muito orgulhosos de si mesmos e outros cientistas se sentirem um pouco subestimados, devemos reconhecer que a realidade é melhor descrita em termos de matéria mais estrutura. A ciência é fantástica ao estudar a matéria, quer sejam partículas subatômicas ou galáxias inteiras. O cientista irá projetar experimentos que minimizam a influência do intérprete humano e deixar o objeto nos dizer o que é real. A ciência trabalha em objetos, e eles são uma parte crucial do mundo que nos rodeia e da realidade em que vivemos.

Por outro lado, para a matemática já é diferente. Por acaso os objetos matemáticos realmente existem em um experimento matemático? Os números existem? Onde eles estão? Você pode fazer um experimento com o número três? Você, por um acaso, já viu um número três? Esse número só faz sentido no âmbito da estrutura do número onde o conhecemos, no relacionamento como sendo maior do que dois e menor do que quatro. Números matemáticos, conceitos e ferramentas obtêm o seu significado a partir dos relacionamentos e não têm significado fora dessa estrutura.

Como as palavras na literatura e as notas da música, o significado dos números emerge de sua relação com os outros. Por exemplo, a letra V significa muito pouco até que seja colocada após A e antes de E, por exemplo. Da mesma forma, a palavra tem significado limitado até que seja posta em relação com outras palavras para criar declarações, sentimentos e expressões de grande enlaço ou histórias. A nota musical “dó” pode até ser agradável ao ouvido, mas quanto mais agradável ela se torna quando se comunica quando tocada em parceria com o resto das notas durante uma interpretação da 9ª Sinfonia de Beethoven? O relacionamento é essencial.

O que podemos aprender com isso? Provaremos teoremas que descrevem verdades sobre teologia? Não, pelo contrário. É possível perceber que existem semelhanças e metáforas sobre como a matemática funciona e se concentra na estrutura e que pode nos ajudar a compreender a religião e teologia. As definições matemáticas são relacionais. Nossas tradições de fé falam ou definem Deus em termos relacionais. Deus é Pai, Deus é rei, e Deus ouve e se preocupa com nossas orações. Termos relacionais são a maneira pela qual compreendemos as nossas ideias religiosas.

A matemática é não- redutora (“non-reductive”), o que significa que não se pode entender mais sobre algo ao desmontá-lo e estudar as partes individualmente. Não se pode entender um triângulo estudando os pontos sozinhos, ou compreender números naturais por um estudo cuidadoso do número três. Da mesma forma, na linguagem ou na música, não se pode descobrir mais sobre a maravilha de uma peça de Shakespeare ou de uma partitura musical através da análise da composição química da tinta e do papel. O significado não está em um ponto isolado de mancha de tinta, mas na estrutura, no padrão regular e nas relações entre as manchas de tinta. Não é possível compreender certos conceitos religiosos, reduzindo-as a objetos ou sujeitos em uma parábola. São as relações travadas na história é que carregam o significado.

Tanto a matemática quanto a fé expressam algo real e oferecem uma lente para termos uma melhor compreensão do mundo que nos rodeia. A matemática oferece uma lente que ajuda o cientista a focar na estrutura do mundo físico. Da mesma forma, a fé tem sido convocada a ser uma lente que nos ajuda a dar sentido ao mundo por nós experienciado e vivido – nossa própria vida, a forma como entendemos a nós mesmos, por que existimos, nosso sentido último.
Então, cientistas, matemáticos e teólogos são todos capazes de entender mais da realidade, utilizando os seus campos para trazer um foco mais claro à realidade que nos rodeia. Vamos trazer a matemática para a mesa e ver o que podemos aprender uns com os outros!

* Cara Daneel é um assistente de pesquisa do Faraday Institute. Formou-se em Biologia Marinha e Oceanografia pela University of Cape Town, África do Sul. Cara trabalhou com projetos de conservação e educação em vários países, nos Hemisférios Norte e Sul.

Original:
The Faraday Institute
https://scienceandbelief.org/2016/05/05/have-you-ever-seen-a-three-mathematics-joins-the-science-and-religion-discussion/

 

 

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