universo

Davi, Einstein e os mistérios da natureza

Os céus declaram a glória de Deus; o firmamento proclama a obra das suas mãos.

(Salmos 19:1)

Talvez hoje mais do que nunca, o conhecimento científico de ponta mais facilmente nos aproxime do mistério. Contraditório? Só os ingênuos e os presumidos podem imaginar que a ciência explique todas as coisas. Cada avanço científico significativo abre imensas fronteiras para a vastidão do desconhecido. Porém, este contato com o mistério via conhecimento científico não se evidencia de forma óbvia em nossa experiência cotidiana pela superabundância de afazeres que, ilusoriamente, tentamos administrar através das últimas novidades tecnológicas. Em função disso, desse compromisso com as urgências diárias, temos dificuldade de atinar até para o incógnito mais imediato.

Por isso é bom quando a natureza irrompe em nossas vidas. Mudanças de estação como a que ocorre agora, neste início de primavera, nos ajudam a perceber, ainda que de relance, a dinâmica da natureza transformando a vida ao nosso redor. Tenho a felicidade de morar em uma região bastante arborizada e não me canso de apreciar a profusão de cores, formas e perfumes das árvores que florescem nesta época. Isso tudo acontece de forma suave, delicada, surpreendendo pelo surgimento de padrões inesperados que transformam a paisagem em questão de dias. [Pausa para o mistério: Em que parte do DNA das plantas estaria inscrita a delicadeza de um ipê branco no auge de sua formosura ou a beleza exótica de uma orquídea?]

A natureza é complexa: os fenômenos se entrecruzam e interagem com ritmos e intensidades que variam enormemente. A sutileza observada na floração das árvores contrasta fortemente com situações outras como quando forças naturais poderosíssimas são postas em ação na forma de tempestades, vendavais e tufões. Aí sim, entre admirados e intimidados, somos impelidos à busca de abrigo e proteção, e forçosamente nos damos conta de que a natureza age. 

Salvo nestas situações especiais em que manifestações naturais, súbitas ou sutis, capturam a nossa atenção, o fato corriqueiro é que nossa percepção da realidade física é continuamente obscurecida pelo foco imediato das nossas ações e intenções, de forma que passamos a maior parte do tempo ausentes das maravilhas que constituem o mundo que nos cerca.

É para estas maravilhas e para o que elas revelam que o salmista, Davi, chama a atenção no versículo em epígrafe. A beleza do cosmos (perdão pelo trocadilho) não tem nada de cosmético: aponta diretamente para o mistério. Este mistério, por um lado, nos impele à busca pelo conhecimento, como pondera um dos fundadores da cosmologia contemporânea, Albert Einstein: A emoção mais bela que podemos experimentar é o mistério. É a emoção fundamental que está no berço de toda verdadeira arte e ciência [1]. Por outro lado, para Davi e para nós que cremos, este mistério é também profundamente revelador. Aliás, o próprio Einstein vai dizer: Minha religiosidade consiste numa humilde admiração pelo espírito infinitamente superior que se revela no pouco que podemos compreender sobre o mundo cognoscível. Esta convicção profundamente emocional da presença de um poder racional superior, que é revelada no universo incompreensível, forma a minha ideia de Deus [1].

Embora fosse alguém distante de qualquer forma de religiosidade institucional, Einstein causava surpresa em seus colegas pela insistência com que falava de Deus. Em seu livro sobre Einstein e a religião, Max Jammer cita o escritor suíço Friedrich Dürrenmatt dizendo: Einstein costumava falar com tanta frequência de Deus que tendo a acreditar que ele fosse um teólogo disfarçado [2].

Einstein, porém, não foi mera exceção ou ponto fora da curva. Outros grandes cientistas do passado, como Galileu, Newton, Faraday e Maxwell (apenas para citar alguns físicos notáveis) também revelaram sua profunda crença de que a realidade última repousa em Deus. Como Paulo, poderiam dizer: Ele é antes de todas as coisas e nele tudo subsiste (Colossenses 1:17). Contudo, cabe reconhecer que parte considerável (se não a maioria) do establishment científico da atualidade é absolutamente avessa a esta visão e arrasta consigo multidões de gente bem formada e bem pensante. Por que isso acontece?

A resposta é complexa e admite diferentes componentes, desde aquelas de fundo bíblico-teológico àquelas apoiadas em razões de carácter histórico e/ou ideológico. Alister McGrath, no entanto, aponta para uma questão que nos diz respeito de forma mais direta e imediata: Se os céus realmente “declaram a glória de Deus”, isto implica que algo de Deus pode ser conhecido através deles, que a ordem natural é capaz de revelar algo do divino. Mas, disto não decorre automaticamente que seres humanos, situados dentro da natureza como nós estamos, sejam capazes, sem ajuda ou sob quaisquer condições, de perceber o divino através da ordem natural. E se os céus “declaram a glória de Deus” em uma linguagem que não podemos compreender? [3].

Alguém poderia repelir a indagação de McGrath citando Paulo: … desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas… (Romanos 1:20). Podemos entender, porém, que a indagação de McGrath procede e nos toca diretamente se considerarmos que Paulo está, na verdade, pronunciando um juízo da parte de Deus. E este papel só cabe a Ele. Qual seria, então, o nosso papel?

O nosso papel (de certa forma, uma resposta prática à indagação de McGrath) é o de criar pontes de significado entre os “mistérios” da natureza e o Mistério de Deus (Colossenses 2:2), para que o cientista e o leigo, o ateu e o crente, possam ter elementos para compreender que razão e fé não se excluem, mas que teologia e ciência podem (e devem) estabelecer um diálogo de alto nível, franco e honesto em benefício mútuo e de toda a sociedade. É este o ponto focal para o qual mira o Projeto Cristãos na Ciência. Convidamos, assim, os cristãos e todos os interessados neste diálogo para que se somem a nós no esforço coletivo de juntos construirmos a Associação Brasileira de Cristãos na Ciência.

por Roberto Covolan

Referências

[1] Albert Einstein, citado por Walter Isaacson em Einstein – His Life and Universe (Simon & Schuster, 2008). 

[2] Max Jammer, Einstein and Religion (Princeton University Press, 1999).

[3] Alister McGrath, The Open Secret – A New Vision for Natural Theology (Backwell Publishing, 2008).

 

 

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