100 anos Teoria da Relatividade Geral
Por Prof. Roberto Covolan

No final do ano passado, foi comemorada uma data de grande importância para a ciência contemporânea: os 100 anos da Teoria da Relatividade Geral (TGR). Depois de longo e penoso esforço, em 25 de novembro de 1915, Albert Einstein apresentava à Academia Prussiana de Ciências a versão final da teoria na qual trabalhara por oito anos. Com a TGR tinha-se, na realidade, uma nova teoria da gravitação, com efeitos e consequências inimagináveis, inclusive para o seu próprio autor. Não obstante a genialidade de seus insights científicos, Einstein não pôde prever àquela altura o impacto que sua teoria acabaria tendo na busca pela origem do universo. Na verdade, foi justamente com relação a esta questão (a aplicação da TGR ao universo com um todo) que, bem mais tarde, Einstein diria ter cometido o seu “mais estúpido erro”: a introdução em suas equações da chamada constante cosmológica. Contudo, por trás desta “tolice” de Einstein, está o que segue sendo, cem anos depois, um dos maiores mistérios da natureza: o que faz o universo expandir?


A origem da Teoria do Big Bang

O efeito de expansão do universo como resultante da Relatividade Geral já havia sido explorado matematicamente pelo físico russo Alexander Friedmann quando, em 1927, o conceito seminal do que viria a ser a Teoria do Big Bang foi proposto, de forma independente, pelo padre e físico belga Georges Lemaître (1894 – 1966). Estas ideias acabaram constituindo-se em algo tão revolucionário que, por um bom tempo, o próprio Einstein teve dificuldades em aceitá-las. Em síntese, este modelo apresenta o universo como tendo expandido a partir de um estado inicial de altíssimas densidade e temperatura, situado no tempo há 13,7 bilhões anos.

A teoria de Lemaître teve nomes mais estranhos do que aquele pelo qual ficaria definitivamente conhecida mais tarde. Lemaître chamou-a inicialmente (muito inapropriadamente) de “hipótese do átomo primordial”. Seu modelo ficou conhecido também como “teoria do ovo cósmico”. Só depois das reformulações introduzidas pelo físico George Gamow e colaboradores no final da década de 1940, é que ela ficaria conhecida como Teoria do Big Bang. Esta denominação, aliás, surgiu como uma expressão jocosa criada pelo astrofísico britânico Frederick Hoyle em seus programas de rádio na BBC, por volta de 1950, com o intuito de zombar desta teoria e promover o próprio modelo teórico como um rival da teoria do universo em expansão.

A história do desenvolvimento da Teoria do Big Bang até se chegar ao atual Modelo Cosmológico Padrão teve lances verdadeiramente fascinantes, mas gostaria de me deter aqui nas atitudes frente a ela por parte destes três homens: Einstein, LemaÎtre e Hoyle. Especialmente, Lemaître.

Enquanto trabalhava no desenvolvimento da Relatividade Geral, Einstein tinha como pressuposto a visão científica corrente à época de que, como um todo, o universo era homogêneo, eterno e estático. Porém, as equações que ele havia obtido para a gravitação dotavam o universo de uma dinâmica incompatível com estes pressupostos, pois este colapsaria em consequência da própria massa gravitacional. Para “consertar” suas equações, Einstein introduziu nelas “com a mão” a constante cosmológica, cujo efeito era produzir uma espécie de antigravidade, fazendo com que estas equações passassem a descrever um universo em equilíbrio perfeito, ou seja, eternamente estável. Ao menos, era isso o que ele pretendia.

Lemaître, que havia obtido o título de doutor em física e em ciências matemáticas logo após a I Guerra Mundial, estudou detidamente os trabalhos de Einstein no ano acadêmico de 1923-24, na Universidade de Cambridge, sob a supervisão de Arthur Eddington, um dos maiores astrônomos da época. Nos anos seguintes, conseguiu uma bolsa de estudos para os Estados Unidos, onde pôde trabalhar com astrônomos de Harvard e de Monte Wilson na investigação de nebulosas estelares e outros fenômenos cósmicos.

Como resultado de seus estudos sobre a TGR, Lemaître observou que a solução pretendida por Einstein ao introduzir a constante cosmológica em suas equações não funcionava da forma esperada por este, mas poderia implicar em um universo em expansão. É importante observar que esta conclusão não constituía ainda a Teoria do Big Bang propriamente dita, pois a expansão imaginada por Lemaître partia de algo de dimensões finitas, o átomo primordial, e não de uma singularidade (de dimensões espaciais nulas). Lemaître encontrou-se com Einstein em 1927, durante a realização de uma conferência em Bruxelas [1] e teve chance de apresentar-lhe sua teoria. Einstein, porém, com uma frase cortante, repudiou a conclusão de Lemaître sobre expansão do universo: “Seus cálculos estão corretos”, disse ele, “mas a sua física é abominável” [2]. Em outra ocasião, quando Lemaître tentou novamente convencer Einstein sobre a sua ideia de o universo ter-se expandido a partir do átomo primordial, este encerrou o assunto rapidamente: “Não, não, isso não! Isso sugere muito a criação!” [2].

Um aspecto da tenacidade intelectual de Einstein era sua enorme resistência em mudar suas ideias quando estas estavam ancoradas na profunda intuição que possuía a respeito da natureza. Contudo, como não podia deixar de ser, seu critério último para estabelecer o que poderia ser entendido como cientificamente verdadeiro era a realidade física expressa por dados observáveis. Assim, anos mais tarde, quando as observações realizadas pelo astrônomo americano Edwin Hubble demonstraram a recessão das galáxias, Einstein “converteu-se” à Teoria do Big Bang, chegando a manifestar-se sobre ela de maneira entusiasmada. Em 1933, após assistir uma exposição de Lemaître no Caltech, Einstein disse: “Esta é a mais bela e satisfatória explicação da criação que eu já ouvi.” [3]

Ateísmo e oposição ao Big Bang

Fred Hoyle, por sua vez, foi muito além da mera zombaria à teoria da expansão do universo apelidando-a, conforme vimos, de Teoria do Big Bang. Na verdade, cientista brilhante que era, foi o grande impulsionador da principal teoria concorrente, a chamada Teoria do Estado Estacionário (TEE). Tratava-se, na verdade, de uma teoria de criação contínua, pois previa que, embora o universo estivesse se expandindo, sua densidade permanecia inalterada, pois matéria estaria sendo continuamente criada (não se sabe por qual processo) no espaço intergaláctico. Com esta teoria, Hoyle tentava explicar como o universo poderia ser eterno e essencialmente imutável, ainda que as galáxias se afastassem umas das outras, evitando assim ter de admitir que o universo tivera um início. Com isso, evitava também outras questões embaraçosas que poderiam apontar para a ideia de criação.

Embora tenha procurado assentar seu modelo de universo em bases científicas, a principal motivação de Hoyle para defendê-lo enfaticamente como fazia estava fortemente fundamentada em seu ateísmo militante. Segundo John Farrell, “Hoyle foi um exemplo perfeito da desconfiança prevalente entre alguns cientistas da época quanto a questões metafísicas. Seu anticlericalismo era tão veemente quanto sua hostilidade à religião organizada” [2]. Este tipo de ateísmo beligerante, à la Hoyle, continua fazendo parte da atitude de certos cosmologistas da atualidade que, por motivos ideológicos, encontram dificuldades para lidar com o fato de que os dados observacionais favorecem a Teoria do Big Bang. Para estes, o fato de o universo ter tido um começo representa um grande problema.

Contudo, a rivalidade entre estes dois modelos de universo só se sustentou até 1965, quando Arno Penzias e Robert Wilson detectaram a chamada radiação cósmica de fundo. George Gamow e seus colaboradores haviam previsto que resquícios da radiação que preenchia o universo nos seus estágios iniciais de evolução teriam sido deixados como vestígios da fase em que os átomos da matéria primordial (sobretudo, hidrogênio e hélio) começaram a se formar. Esta previsão da Teoria do Big Bang foi, assim, confirmada pelas observações de Penzias e Wilson na década de 60 e acabaram sendo corroboradas, com precisão muito maior, pelos dados mais recentemente colhidos através de satélites especialmente projetados para realizar observações cosmológicas. Foi este o caso do satélite COBE (Cosmic Background Explorer), lançado em 1989, e do satélite WMAP (Wilkinson Microwave Anisotropy Probe), de 2001.

Os defensores da Teoria do Estado Estacionário tentaram ainda propor interpretações alternativas para a existência da radiação cósmica de fundo, mas esta teoria foi sendo progressivamente desacreditada, ao mesmo tempo em que gradualmente foi-se formando um forte consenso favorável à ideia de que este tipo de radiação só poderia ser entendida como remanescente de uma determinada fase do universo, conforme previsto pela Teoria do Big Bang. Com isso, as ideias de Lemaítre de expansão do universo acabaram triunfando em definitivo, de forma que a Teoria do Big Bang é hoje aceita consensualmente pelos especialistas como o principal fundamento para o chamado Modelo Cosmológico Padrão.


Lemaître e a gafe do Papa

Não obstante o triunfo de sua ideia inicial sobre a expansão do universo, a atitude de Lemaître tanto com respeito aos seus achados científicos quanto com relação às potenciais implicações metafísicas derivadas destes merece admiração e detida reflexão de nossa parte.

Hoje em dia, muitas pessoas que creem em Deus e acompanham os avanços da ciência, em especial da cosmologia, facilmente (talvez, facilmente demais) fazem conexão entre o Big Bang e a criação bíblica do cosmos. Sem dúvida, cabe de pronto reconhecer que o relato bíblico da criação e a narrativa científica da cosmogênese são enormemente consistentes. Uma coisa, porém, é dizer que estas visões são consistentes (ou seja, não contraditórias), outra bem diferente seria dizer que elas se correspondem, de forma que o Big Bang se constituísse no próprio ato de criação.

Neste sentido, cabe destacar a maneira sensata com a qual Lemaître lidou com esta questão, não obstante muitos que se opuseram a ele imaginassem que suas ideias cosmológicas fossem mais inspiradas pela fé cristã do que pela ciência. John Farrell, por exemplo, acentua que, ao propor sua interpretação para as equações de Einstein, em 1927, Lemaître não estava minimamente interessado no início temporal do universo. Diz ele: “Na verdade, Lemaître, tendo alguma formação filosófica, jamais cometeu o erro de pretender que a ‘criação’ pudesse ser definida em termos cientificamente significativos” [2].

Este aspecto do pensamento de Lemaître vai se tornar inteiramente explícito anos mais tarde, a partir de sua evidente indignação com a manifestação do Papa Pio XII sobre a nova cosmologia. Em uma audiência à Pontifícia Academia de Ciências, em 1951, fazendo referência à origem material do universo, o Papa disse: “… parece que a ciência atual, projetando sua visão para trás ao longo dos séculos, conseguiu testemunhar o augusto instante do Fiat Lux, quando, juntamente com a matéria, do nada irrompeu um mar de luz e radiação, e os elementos se dividiram, se misturaram e se estruturaram em milhões de galáxias… […] Assim, com a concretude que é característica das provas físicas, foi confirmada a contingência do universo e também a bem fundada dedução quanto à época em que o mundo emergiu das mãos do Criador. Logo, a criação aconteceu. Nós dizemos: portanto, existe um Criador. Portanto, Deus existe!” [3].

Lemaître, que era uma pessoa costumeiramente alegre e afável, ficou profundamente transtornado com a iniciativa do Papa de apresentar explicitamente o seu modelo de expansão do universo como se fosse uma prova virtual da criação narrada no livro de Gênesis. Este mesmo episódio foi comentado pelo Rev. Rodney Holder nos seguintes termos: “Teologicamente, a declaração do Papa confundiu criação, que é inacessível à ciência, com origem, que é o que a ciência pode investigar  – essencialmente o mesmo erro de Hoyle!” [4]

Alguns meses depois da desastrada declaração papal, Lemaître teve uma audiência com Pio XII na qual procurou demonstrar-lhe que fazer afirmações taxativas com caráter de certezas definitivas em questões relativas à interação entre ciência e teologia “não ajudaria a causa da Igreja, nem o progresso da ciência” [2]. Pelo jeito, ele foi bem sucedido em seu intento, pois quando teve ocasião propícia para voltar ao assunto em uma conferência com astrônomos, o Papa não o fez. Vemos, assim, em Lemaître as atitudes de um pesquisador extremamente consciencioso a respeito do cuidado necessário ao tratar das relações entre fé e ciência (a ponto de corrigir o próprio Papa!).

A questão central que opôs Lemaître ao Papa pode ser colocada nos seguintes termos. A Teoria do Big Bang, elaborada a partir do formalismo da Relatividade Geral, estabelece que o processo que deu início ao universo não apenas desencadeou a expansão de matéria e energia, mas deu origem ao próprio espaço-tempo. Isto pode ser estudado com as sofisticadas técnicas da cosmologia contemporânea. O ato da criação, porém, pela sua própria natureza (sobrenatural), está fora do alcance de qualquer técnica experimental ou formalismo teórico, por mais elaborados que estes possam ser. Como poderia, então, ser examinado cientificamente um ato ou processo que precede em essência a todas as coisas, inclusive a existência de espaço, tempo e matéria?

Além disso, a visão de universo que os experts da cosmologia contemporânea nos apresentam hoje é marcada por dois fatos observacionais absolutamente espantosos: primeiro, o universo se expande de forma acelerada (ninguém sabe como) e, segundo, a matéria ordinária observável corresponde a tão somente 5% do universo.  Além desses 5% de matéria observável, o universo seria formado por 27% de matéria escura (detectável pelo seu efeito gravitacional em galáxias e aglomerados de galáxias) e 68% de energia escura (supostamente responsável pela expansão acelerada do universo).

O que são matéria escura e energia escura ninguém sabe (o adjetivo escuro aqui significa simplesmente que não emitem nenhuma forma de radiação). Tanto quanto se pode enxergar, a ciência (em particular, a Teoria do Big Bang) está longe de chegar a uma resposta aceitável para estas questões. Poderíamos dizer, portanto, que metaforicamente a nossa ignorância acerca do universo é do tamanho do próprio universo e, assim, compreender o quão acertada foi a atitude de Lemaître em não vincular automaticamente Big Bang e criação.

Não obstante a imensidão do universo e a magnitude desses problemas todos, é de grande consolo relembrar o salmista dizendo que o Senhor “conta o número das estrelas e chama cada uma por seu nome” (Salmos 147:4). Em seguida, ele acrescenta: “Nosso Senhor é grande e onipotente, e sua inteligência é incalculável.” Compreende-se…


Fé e Ciência

Concluindo, quero acrescentar algumas observações de caráter mais pessoal.

Há um abismo entre as possibilidades epistemológicas respectivamente associadas a conhecer o universo (ou seja, o conhecer científico) e conhecer a Deus. Assim, não creio em provas científicas a respeito da existência de Deus, seja via Big Bang ou qualquer outra teoria científica ancorada em observações da natureza. As evidências em favor da existência de Deus implícitas no mundo natural, é verdade, são colossais, do tamanho do universo. Aliás, há uma enormidade de temas que decorrem destas evidências e que alimentam o diálogo entre fé e ciência. Mas, prova científica, em sentido estrito, não creio que possa haver. Em primeiro lugar, porque a ciência aplica-se exclusivamente a fenômenos naturais e, por definição, as coisas divinas extrapolam este domínio. Mas, além deste aspecto mais óbvio, ainda que tentemos raciocinar em termos de inferências a partir do conhecimento científico, penso que uma comprovação objetiva acerca de Deus a partir de dados científicos seja impossível, pois há uma ambiguidade essencial intrínseca à revelação propiciada pelas coisas da natureza que só pode ser resolvida pelo olhar daquele que enxerga e vê (ou não!).

Na Carta aos Efésios, Paulo diz: “… não cesso de dar graças a Deus a vosso respeito e de fazer menção de vós nas minhas orações, para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos dê um espírito de sabedoria e de revelação, para poderdes realmente conhecê-lo” (Efésios 1.16-17). Assim, penso que o conhecimento de Deus sempre dependerá da fé, que provém do próprio Deus.

João Paulo II, em sua encíclica Fides et Ratio, escreveu: “A fé e a razão constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio” [5].

Lemaître, da mesma forma, entendia que teologia e ciência operavam em domínios diferentes, constituindo-se em dois diferentes caminhos em direção à verdade. Certa vez, ele disse: “Há dois caminhos para a verdade. Eu decidi seguir a ambos” [4]. Nós, da Cristãos na Ciência, dizemos o mesmo.


Referências

[1] Fifth International Solvay Conference on Physics (Bruxelas, 1927).
[2] John Farrell, The day without yesterday – Lemaître, Einstein, and the birth of modern cosmology (Thunder’s Mouth Press, 2005).
[3] Helge Kragh, Cosmology and Controversy – The historical development of two stories of the universe (Princeton University Press, 1996).
[4] Rodney Holder, Big Bang, Big God: A universe designed for life? (Lion Hudson, 2013).
[5] Papa João Paulo II, Carta Encíclica Fides et Ratio (1998).
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